1959 - 2020
Fez de sua casa um refúgio, abastecido de muito feijão, cuscuz e conversas que aliviavam todo sufoco.
A terceira de 20 irmãos – Marli, Li ou Bê, era prestativa e vaidosa desde a infância, quando não estava ajudando a mãe a cuidar dos mais novos, estava se arrumando. Sempre aparecia de batom e com unhas feitas.
A irmã mais velha conta que apesar de sempre muito disposta a ajudar em casa, vez ou outra Marli aparecia com uma dor no braço. "Eu sempre pensava que ela fazia isso só para não ter que lavar e passar roupa". É com alegria que as irmãs se lembram de Marli, como uma adolescente arteira. "Ela saía para namorar escondida dos nossos pais"; "É, ela gostava de viver perigosamente quando era mais nova", contam.
Marli casou aos 18 anos, grávida do filho Anderson. Quando o menino tinha 7 anos, ela se divorciou, tendo que seguir independente na criação do filho. "Ela foi uma mãe forte, guerreira, lutadora", lembra a irmã Eliene.
Como uma mãe solo, Marli precisou encontrar caminhos para sustentar sua família. Apesar de ter feito magistério, nunca exerceu essa profissão. Trabalhou em diversas empresas, vendia alguns produtos de forma autônoma, foi dona de bar e, por último, fazia quentinhas (marmitas de almoço) para vender. Seu feijão e seu cuscuz eram famosos!
A casa de Marli era cheia de boa comida e aconchego para aqueles que precisavam. Sua casa era um refúgio, sempre de portas abertas para um irmão que tivesse passando por uma situação difícil no casamento, uma amiga brigada com a mãe, alguém que não estivesse bem no trabalho e precisasse desabafar. "Ela me tirou do sufoco várias vezes", lembra com carinho Eliene.
Era lá também, na casa de Marli, que ela cuidava de sua mãe e que a família toda se reunia aos domingos. "Foram raras as vezes em que não fizemos isso", diz a irmã Eliene. Quando alguém faltava, ela ficava preocupada e já ligava cobrando: "Por que você não veio? Cadê você?".
Engraçado era perceber que mesmo quando algo a deixava irritada, falava para os outros ao redor: "Calma, calma". Na verdade, o recado era para ela mesma se lembrar de não entrar em confusão, porque Marli era do tipo que não levava desaforo para casa.
Na lembrança, além daquela Marli com a casa sempre cheia, fica a imagem de uma "menina-mulher forte", como dizem as irmãs, que gostava de jogar dominó – a única mulher da família que sabia, aliás – e que gostava de um samba. Marli deixa uma marca no coração de sua mãe, seu filho, suas irmãs e irmãos e suas amigas e amigos.
Marli nasceu Salvador/ Bahia e faleceu Salvador/ Bahia, aos 60 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido Irmã de Marli, Eliene Duarte Silva. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Michele Bravos, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Rayane Urani em 9 de janeiro de 2022.