1937 - 2020
Dona Ocrisa não era de telefonar para saber das pessoas de quem gostava, preferia ver com os próprios olhos.
Ela sempre foi uma mãezona dos netos e de toda a família, a Dona Ocrisa. De segunda a sexta, tinha empada com refrigerante esperando por eles, e a Nathalia, que não era nada boba e tinha a sorte de ser a neta a morar perto, fazia o trajeto todos os dias, usufruindo das guloseimas, dos mimos e da atenção da vó.
Quando Dona Ocrisa percebia que havia algum problema com alguém, era só sentar e conversar, e ela sempre tinha uma história para contar e um alento.
Ela achava que não gostava muito de animais, e uma história ilustra o seu equívoco. O filho era apaixonado por bicho: tinha porquinho-da-índia, passarinhos... Um dia foi embora para Belo Horizonte, em busca de uma vida melhor. Queria ser policial. Dona Ocrisa ficou como toda mãe fica quando o filhote deixa o ninho, coração apertado. O que ela não sabia é que ao chegar em casa, após a partida do filho, encontraria um vazio muito mais profundo. O filho tinha vendido os bichinhos, e Ocrisa, que achava que não gostava de animais, sentiu como se tivessem arrancado um pedaço dela, porque tinha se apegado a eles.
Bem mais tarde, surpreendeu a neta Nathalia: "Um dia ela me pediu um peixe, porque achava que ele não daria trabalho. Ela adotou esse peixe, cuidava dele como ninguém: trocava a água do aquário, dava ração, conversava com ele, tanto que virou um companheiro dela".
Dona Ocrisa sempre conduziu a vida com punhos firmes. Era preciso, pois naquele tempo era tudo muito difícil: era costureira e rigorosa com os filhos, que começaram cedo na lida para ajudar com as despesas da casa. Apesar da rigidez, era uma mãe amorosa e muito cuidadosa, e dava a eles tudo o que queriam.
Com o marido, Dona Ocrisa sempre foi mais que uma companheira: cuidou dele com toda a dedicação. Ela frequentava as missas, ajudava nas tarefas da igreja, dava hóstia para os enfermos, participava do Consulado Coração de Maria, e o marido, que também era muito religioso, criou o Terço dos Homens na cidade. Então ele adoeceu: Alzheimer e síndrome do pânico. Os últimos dois anos de vida de Ocrisa foram cuidando do marido.
Os dois eram muito grudados, nunca ficaram um só dia separados. Ela não gostava quando ele usava roupas amarelas ou beges. O corte de cabelo dele e a barba só a filha é quem fazia. Da última vez em que o ritual foi feito, Ocrisa pegou no rosto dele e disse: "Tá vendo, só ela sabe deixar o Dinho bonito". Foram 67 anos de união.
Não deixava suas crianças brincarem na rua porque, segundo os filhos, as casas dos vizinhos eram muito chiques. Quando os meninos ganhavam uma bola, tinham que brincar no próprio quintal, pois Ocrisa morria de medo que uma bola perdida quebrasse a janela dos vizinhos.
Dona Ocrisa não era só brabeza. Tinha sido criança e arteira: ela e a irmã Margarida, depois de ajudarem os pais na lavoura de milho, brincavam com bonecas que faziam com sabugo e argila. Um dia, lá se foram as duas, com suas bonecas de cabelinhos dourados da espiga de milho, córrego afora, a brincar, mas num descuido a boneca da Ocrisa caiu na água e se desfez na corredeira, diante de olhinhos embaçados pelas lágrimas.
As datas comemorativas eram sempre na casa dela, pois no quintal tinha um pé de jabuticaba imenso e todo mundo ficava embaixo dele, festejando, jogando truco, assando carne; era a alegria da Ocrisa, que amava a casa cheia no Natal, Dia dos Pais, Páscoa, todas as datas, a família toda lá.
Amava fazer crochê e presenteava a todos com um cachecol. Lembrava-se de todos os aniversários, das netas, noras, sobrinhos, que fazia questão de presentear com luvas, toucas, panos de prato, tudo feito por ela com muito amor e carinho.
Toda sua vida sempre foi preocupada com a família. Em 2018, o filho, pai da Nathalia, teve que passar por sessões de quimioterapia, e ela dizia para todo mundo que daria a vida por ele. Em 2010 havia perdido a filha Margarida e tomou os filhos dela como seus; a família ficou maior e todos a consideravam como uma segunda mãe. O último Natal da Dona Ocrisa reuniu mais de cem pessoas, e ela amava essa farra.
Ocrisa deixa para a família um legado de amor e lembranças doces.
Ocrisa nasceu em Bom Despacho (MG) e faleceu em Bom Despacho (MG), aos 83 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela neta de Ocrisa, Nathalia Moreira. Este tributo foi apurado por Emily Bem, editado por Rosa Osana, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Rayane Urani em 20 de dezembro de 2021.