1940 - 2020
Sem papas na língua, era conhecida pela espontaneidade e pela gargalhada singular.
Com nome difícil, Otair foi presenteada com uma coleção de apelidos durante a vida. Era chamada de Siquete – alcunha de infância –, Baixinha, Miúda, Marajá, Dona Taí e muitos outros.
A maioria estava relacionada a altura. Era 1,48 m de fofura e amor.
De riso fácil, Otair era conhecida mesmo no bairro por sua alegria. Sempre finalizava uma conversa com uma tirada e a gargalhada que só ela tinha. Costumava dizer: “Não há tempo ruim que dure para sempre” e “Na vida, só não tem jeito para a morte". Esse foi seu legado.
A primeira vez que a família foi a um rodízio de pizza ficou na memória. Sempre comentavam que todos comiam em grande quantidade. Em determinado momento, o garçom passou com o sabor de carne seca acebolada, Otair pediu um pedaço. Quando o garçom serviu, ela disparou: “Só esse grelinho?”. Todos caíram na gargalhada.
No aniversário de 80 anos, quando as filhas falaram em fazer uma festa para celebrar a idade, Dona Taí disse que estavam equivocadas porque ela só tinha 65 anos.
Também era conhecida por “engolir barriga” (deixar passar as oportunidades) nos jogos de bingo em família. O filho ainda dizia “bingo”, sem ter completado as peças, quando Dona Taí estava prestes a vencer a partida, só para acentuar a diversão.
O sonho de Otair era conhecer as obras do Aleijadinho. A família viajou mais de 600 quilômetros até Ouro Preto, MG. Quando ela viu as obras do escultor, espantou-se e disse “Que bonecos feios”. Ficou muito decepcionada. O episódio ficou marcado pela sinceridade da matriarca, que sempre falava o que lhe vinha à mente.
De alma acolhedora, Otair gostava de agradar os amigos dos filhos com comida. Cozinheira de mão cheia, ninguém esquece do seu bolinho de aipim, da broa de fubá, do cuscuz e da carne de porco.
Em Recife, casou-se cedo, aos 15 anos, teve dois filhos e ficou viúva aos 20. Mais tarde, foi para o Rio de Janeiro, conheceu Amaro, seu companheiro por 56 anos. Com ele, teve outras duas filhas. Os dois tinham o costume de sentar juntos no portão de casa, olhando o movimento do bairro. Eram inseparáveis e ainda tinham ciúme um do outro. Agora, seu Amaro não fica mais no portão e seu olhar se perde, às vezes.
Quando os filhos iam visitar, ou ligavam para Dona Taí, era sagrado pedir a benção.
“Bença Mãe”.
E ela respondia: “Deus te proteja”.
Otair nasceu em Recife (PE) e faleceu em São João do Meriti (RJ), aos 80 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Otair, Mary de Albuquerque Soares. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Larissa Paludo, revisado por Otacílio Nunes e moderado por Rayane Urani em 12 de setembro de 2020.