1928 - 2020
Era muito calado, mas demonstrava o amor no enorme zelo e na sensibilidade, o que fazia os olhos marejarem à toa.
Casou aos 30 anos e teve uma união de sessenta e dois anos com Dona Neuza, que lhe presenteou com quatro filhas. A família sofreu uma grande dor em 1983, com a perda de duas das filhas em um trágico acidente de carro. Maria Nazaré e Regina do Socorro partiram muito jovens. Ambrosina e Elizabeth ajudaram os pais a seguir adiante.
No ano seguinte, Ambrosina contribuiu ainda mais para preencher um grande vazio que ficou no coração de todos: aumentou a família com a chegada de Luiz Ricardo.
"Ahhh... o primeiro neto foi um verdadeiro presente para o vovô! Na verdade, era o chamego da família toda. Mas como o pai não assumiu, e minha mãe trabalhava fora, ele foi criado pela minha mãe e pelos meus avós. Três anos mais tarde, eu nasci. Mas não parou por aí. A caçula casou após um tempo e lhe deu mais duas netas: Maria Regina - que ganhou o nome em homenagem às tias que partiram, e Maria Rita. Vovô amava todos os netos, mas seu xodó era o Ricardo", conta a neta Michelle.
Ainda que Seu Otávio fosse de poucas palavras, avô e neto tinham uma ótima relação e conversavam muito. Já contar com 36 anos, não significava muito para o avô, que o enxergava provavelmente como o "seu menino". Ricardo ouvia bastantes recomendações para não sair tarde da noite, para não ir às festas e para casar logo.
Nascido e criado no interior, Seu Otávio começou sua jornada laborativa na roça. Por grande parte da vida, o sustento de sua família veio da agricultura, sem deixar que "as mulheres de sua vida" passassem por necessidades.
Homem honrado que era, nunca foi de seu feitio dever a ninguém. Por isso, foi sempre muito equilibrado com as poucas economias que possuía. E, para complementar a renda, passou a ir à capital comprar tecidos para revender em sua cidade.
A filha mais velha, Maria de Nazaré, tinha um sonho: tirar os pais da vida árdua do interior. Então, cresceu e foi morar com a avó materna em Belém para estudar e, quando começou a trabalhar, conseguiu realizar seu desejo. Levou o restante da família e o pai conseguiu um emprego de vigilante na capital. É Michelle quem traz essa linda história com detalhes: "Assim meu avô trabalhou por vários anos, até tudo ir se ajeitando. Todos foram vencendo as dificuldades pelo caminho com muito esforço e até hoje seguimos na luta. Pois foi exatamente esse o legado dele que guardamos com carinho."
Seu Otávio sempre foi um homem muito correto e tinha um jeito sério. Mas quem o conhecia bem podia sentir seu amor através das atitudes. "Meu avô era bastante calado, mas amava de um jeito único: reservado, não gostava de dar preocupação a ninguém, quantas vezes escondeu até suas dores. Além desse motivo, tinha também uma certa teimosia e medo de o levarmos ao médico. Mas conosco, o silêncio simplesmente convertia-se em uma amorosa preocupação. Chegávamos a vê-lo, quando saíamos para viajar, na porta, com lágrimas e um olhar comovido", relembra, com carinho, a neta Michelle.
Já estava com 92 anos e a idade o deixava mais fragilizado. E, por que não dizer, sensível? Nos aniversários, ele fazia questão de presentear os familiares com uma lembrancinha. Mas em sua data festiva, quando era sua vez de receber o mimo, enchia os olhos de lágrimas e, emocionado, dizia: "não precisava".
Seu Otávio tinha seus hábitos e manias. Não era muito amante de saídas e passeios, mas adorava cuidar da casa. Mesmo com uma certa dificuldade para andar, fazia sua ronda, verificando se tinham fechado as portas corretamente. Costumava dormir cedo. "Cedo mesmo!", entrega Michelle, que acrescenta que o avô deitava por volta das 21 horas e queria que todos dormissem no mesmo horário, junto com ele.
Um de seus prazeres era comer. Gostava de muitas coisas e comia muito bem. Suas iguarias preferidas eram carne de porco e farinha. Tudo tinha que ter sempre muita farinha.
Outra coisa que o fazia se sentir bem era contar histórias de quando morava do interior. Ele mesmo, por vezes achava graça e, em outras, ficava emotivo e era mais uma razão para as lágrimas chegarem timidamente.
Michelle relata ainda, com saudade, o "grude dos avós": "Meus avós eram ligados demais. Foram muitos anos de união, vivendo um para o outro, sem se separarem pra nada. Talvez seja a razão de terem partido com apenas catorze dias de diferença. Mas o vovô tinha um ciúme enorme dela. Ficava enciumado até quando ela saía para passear conosco. E, apesar do meu avô não demonstrar tanto sentimento, sabíamos do amor que ele nutria por sua amada Neuza.
Apesar de sua idade, estava bem lúcido. Tinha artrose, caminhava com dificuldade e andava muito cansado, pedindo por um sossego. O vírus infelizmente chegou e o levou no Dia das Mães. É muito difícil, mas o que nos conforta é saber que agora está em paz, juntinho da vovó, rogando por nós."
A família finaliza expressando o quanto Seu Otávio foi amado por todos e, principalmente por sua esposa, que, sempre presente, nunca o abandonou. À época em que esteve doente, ela ficou ao seu lado e isso deu a ele muita segurança. Em seus últimos anos de vida conjunta, faziam muitas orações em família. Os Salmos 23 e 91, seus preferidos, estarão sempre guardados na memória; ele gostava de escutá-los e assim, aprendeu, decorou e viveu isso nos últimos anos de sua vida. Repetia sempre: "O Senhor é meu pastor, nada me faltará". Só isso para confortar e trazer uma certeza de que essa sua vivência o levou para junto de Deus, onde estará protegido. Mas por aqui, deixa uma saudade e falta imensuráveis às filhas, netos e amigos.
Para conhecer a história da esposa de Otávio, também falecida durante a pandemia da Covid-19, leia o tributo de Neuza Cavalcante de Sousa.
Otávio nasceu em Santo Antônio do Tauá (PA) e faleceu em Belém (PA), aos 92 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado de Otávio, Michelle Sousa dos Santos, Ambrosina e Elizabeth. Este tributo foi apurado por Ana Macarini, editado por Denise Pereira, revisado por Lígia Franzin e moderado por Ana Macarini em 1 de fevereiro de 2021.