1935 - 2021
Em seu coração abrigava quem dela precisasse, tecendo mantas para idosos e cozinhando marmitas para os necessitados.
Bebê de dois meses de vida, Paula mudou-se com a família – o pai, Amadeu, a mãe, Marieta, e um irmão – da cidade natal Carandaí para Barbacena, ambas cidades das Minas Gerais. Seria Barbacena a cidade da vida de Paula, homenageada neste tributo pela filha Ana Paula. A vida na infância foi de muitas dificuldades, mas bastante união.
O pai, Amadeu, era um descendente de italianos que trabalhava como barbeiro; Marieta, com ascendência portuguesa, nos primeiros anos da união era dedicada às tarefas no lar. Com o tempo, e pela necessidade de sustentar os seis filhos, quatro deles nascidos em Barbacena, ela abriu um hotel na cidade. “Era um estabelecimento simples, que atendia aos hóspedes muito bem”, conta Ana Paula sobre o negócio encabeçado pela avó.
Marieta precisava da ajuda dos filhos. O marido era um aficionado por jogo de cartas, e o sustento da família ficou a cargo da matriarca. Paula, desde pequena, ajudava a mãe. Eram poucos os momentos de levar a vida de criança como criança, como lembra Ana Paula. A menina ajudava na horta, na manutenção do fogão de lenha e com toda a lida do hotel. Escola, frequentou até a 4ª série. A alegria da infância, no entanto, continuou vivendo em Paula que, adulta e com a família formada, levava a vida com leveza e bom humor – não faltando oportunidades de expressar seu espírito alegre: como quando vestiu-se de motoqueira para festejar a compra da moto de um dos filhos.
Foi na Barbacena das Minas Gerais que Paula conheceu Nicomedes, o companheiro da vida por mais de sessenta anos. Casaram-se em dezembro de 1959. Desta união nasceriam cinco filhos até o ano de 1980: Rita de Cássia, Nicomedes, Marieta, Ana Paula e Paulo José. Foi nesta década, a de 80, que a família decidiu começar uma nova etapa, a de adoção. Até 1985 outras quatro crianças seriam adotadas pelo casal: Rodrigo, Paula Fernanda, Maria José e Thiago. Com os cinco filhos gerados por Paula, pais e filhos compunham, então, um time de futebol inteirinho.
“Minha mãe era uma pessoa muito especial. Tinha um coração enorme e grande alegria de viver. Quando meu irmão caçula estava com 8 anos, ela e meu pai decidiram adotar uma criança... e mais uma, e mais uma e mais uma. Éramos cinco filhos e nos tornamos nove”, lembra Ana Paula.
O destino de Paula e Nicomedes se cruzou na mocidade. A república em que ele morava era próxima do hotel da família. “Meu pai também veio de uma família muito carente e por ser o segundo, ajudou meus avós para criar os outros irmãos. Também estudou até a 4° série”, conta a filha do casal.
Nicomedes trabalhou desde muito cedo em farmácia e aprendeu tudo na prática. Aos poucos, o pai foi fazendo economias e, trabalhando juntos, o casal abriu a farmácia Santa Rita de Cássia (de quem eram devotos), onde oito dos nove filhos chegaram a trabalhar. “Meu pai se dedicava em tempo integral à farmácia e minha mãe dividia seu tempo cuidando da casa, dos filhos e ajudando meu pai na farmácia”.
Ana Paula diz que a mãe foi rígida na criação dos filhos. Austera, exigia deles retidão de caráter, respeito, e uma característica muito forte dela mesma: ajudar a quem precisa. “Mesmo sendo muito rígida, não lhe faltava carinho, atenção e solicitude; fazia o que podia e o que não podia pela família!”, resume Ana Paula.
“Fomos criados muito unidos, os mais velhos ajudando os mais novos. Sempre com o exemplo de retidão, amor ao próximo por parte tanto de minha mãe quanto de meu pai”, exalta a filha que, já adulta, nas férias de trabalho levava a mãe para viajar. “Grudada com a mãe”, como Ana Paula se define, era comum, ao chegar do trabalho, jogar cartas com ela.
Durante os sessenta anos de vida em comum, Paula e Nicomedes realizaram muitas reuniões, festejaram muito com a família. As comemorações mais esperadas eram as de Natal. “Meus pais sempre fizeram questão de um Natal santo e abençoado, com muita alegria”, conta Ana Paula, lembrando da mesa comprida ocupada dos dois lados por todos os Filardi Afonso.
Se Paula foi uma criança, uma jovem, uma mulher e uma senhora da qual a família sempre teve orgulho... no entorno do lar a situação não era diferente. Pelas mãos de Paula, artesã de tricô e crochê, foram tecidas centenas de colchas para idosos abrigados em casas de cuidados e muitos, muitos enxovais para recém-nascidos. As mãos também prepararam muitas marmitas, distribuídas a pessoas em situação de rua.
Nicomedes faleceu em 2018, devido ao Mal de Alzheimer. A família já era formada pelos nove filhos, quatro netos - entre eles, Nicholas e Matheus, e Maria Fernanda; além de três bisnetos. Maria Fernanda era muito próxima do casal. Dedicou a eles amor de criança que muito contribuiu para a família nos cuidados com o patriarca quando ele precisou.
Amor e solidariedade seriam duas palavras indicadas para ilustrar a personalidade de Paula. Ela também se aproximava das pessoas em seus momentos alegres da vida. Ana Paula exemplifica: "Ela era uma pessoa vivaz, brincalhona, participava da vida dos filhos o tempo todo. Quando éramos pequenos, ela brincava na rua conosco, soltando pipa, jogando bola... De todas as brincadeiras ela participava”. Sem falar no acolhimento prestado aos amigos dos filhos, a quem tratava como seus próprios filhos.
A solidariedade que Paula prestou a muitos em sua vida foi passada para os filhos. Foi prestando socorro a uma vizinha que a Covid-19 chegou na família. Primeiro, infectando o filho Paulo José e depois a matriarca da família. Paulo José também foi vitimado pela Covid-19, quatro dias após o falecimento da mãe. “Ninguém que precisou da ajuda dela recebeu um não, e isso nós levamos em frente”, diz a filha homenageante, lembrando que também o irmão Paulo José Afonso foi homenageado.
Ana Paula recorda dos momentos com a mãe e lembra de uma das suas características mais marcantes: uma espetacular capacidade de perdoar. “Sinto muita falta dela, e nossa convivência, seus ensinamentos e exemplo já valeram por toda minha vida! Nossa vida era pura alegria”, finaliza.
História de mãe e filho, para conhecer a história do filho de Paula procure por Paulo José Afonso.
Paula nasceu em Carandaí (MG) e faleceu em Barbacena (MG), aos 86 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Paula, Ana Paula Afonso. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Patrícia Coelho, revisado por Ana Macarini e moderado por Ana Macarini em 17 de agosto de 2022.