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Paulo dos Santos

1961 - 2020

Dois metros de altura e um coração ainda maior. A felicidade dos filhos era a sua própria.

Paulo, ou melhor Paulão, tinha dois metros de altura, mas o seu tamanho só colocava medo em quem mexesse com a sua família. Era a única coisa que o deixava bravo.

Para não faltar nada em casa, Paulão aprendeu a consertar ferro e, mesmo ganhando pouquíssimo dinheiro, começou a capinar quintal. Para ele, o dinheiro não era pouco, já que trazia o bastante para a sua mulher, Anizelina, e os seus dois filhos, Priscila e André.

Cila, apelido carinhoso dado a Priscila pelo seu pai, lembra com emoção de quando ela e seu irmão esperavam ansiosamente pelo pão com mortadela e o copo de café que seu pai deixava de comer na empresa para levar para eles. Paulão sempre quis a felicidade dos filhos. Ele juntava dinheiro arduamente para, no fim de semana, poder levar seus filhos para tomar uma casquinha de sorvete ou assistir um filme.

Quando Cila tinha apenas 6 meses, Paulão fez um vitamina de abacate para a pequena. Quando dona Anizelina viu aquela cena, quase deu um “treco”: “Você vai matar a minha filha, senhor!”. Mas, depois do susto, a mulher de Paulão conta que a vitamina fez tão bem que a sua filha tem 2 metros de altura e o seu filho, 1,88.

Priscila tinha vergonha do seu tamanho, mas seu pai sempre esteve do seu lado para falar, orgulhosamente, que ela era o mulherão mais lindo que ele conhecia.

“Gente, eu vou desligar porque eu vou cagar!”. Esse foi o jeito desbocado que Paulão desligou a última chamada de vídeo que fazia, quando estava no hospital, com seus dois filhos, sua esposa, seu genro e sua nora. Priscila conta que depois que a chamada foi encerrada nunca mais falou com o seu pai. Nunca mais olhou para o rosto do seu pai. Nunca mais ouviu a voz do seu pai. Nunca mais ouviu o pai falar “negona, me ajuda; negona, faz isso; ô Cila…”

Paulão não conseguiu esperar a chegada do seu primeiro neto, o Benício, filho do André, e se foi sem saber que a sua Cila estava prestes a descobrir que estava grávida, e que se fosse menino, o bebê seria chamado José Paulo em sua homenagem.

Paulão não está aqui para dar vitamina de abacate para os seus netos. Agora, são os filhos de Paulão que vão preparar a mamadeira que um dia ele já preparou.

Paulo nasceu em Porecatu (PR) e faleceu em São Bernardo do Campo (SP), aos 58 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Paulo, Priscila Barbosa dos Santos. Este texto foi apurado e escrito por jornalista João Vitor Moura, revisado por Gabriela Carneiro e moderado por Rayane Urani em 28 de julho de 2020.