1927 - 2020
Os netos disputavam para ver quem ia dormir na casa dessa avó, tamanha era a diversão em estar com ela.
Essa é uma carta aberta da neta Zilda:
"Mãe protetora, esposa zelosa e avó conselheira. Sempre dedicada à família, mulher com um amor extremo pela vida e um cuidado todo especial com a sua saúde. Tinha uma máxima: 'a saúde começa pela boca.' E suas receitas para minhas espinhas de adolescente, eu jamais esquecerei: "Minha filha, tome chá de cancorosa", uma planta nativa do Rio Grande do Sul.
Minha infância foi muito feliz porque sempre tinha visita a casa da avó; eu e meus irmãos podíamos comer caqui no quintal. Era uma delícia. Além disso, brincávamos com galinhas caipiras, ela fazia biscoitos caseiros e nos recebia sempre com amor. Uma lembrança que marcou muito a minha vida é que aos domingos íamos à capela para rezar o terço. Vovó era muito católica, tinha muita fé. Quando os familiares que já moravam na cidade iam a casa dela, sempre havia comidas especiais; nessas ocasiões amávamos comer as delícias feitas com tanto amor e capricho por suas mãozinhas queridas.
Minha avó e meu avô moravam em uma comunidade do interior. Aos sábados, eu e meus irmãos disputávamos para decidir quem iria pousar na vovó. A programação era das melhores: comer cuscuz com leite, ouvir as histórias que ela contava e jogar cartas.
Ela era a filha mais nova dos meus bisavós. Migrou de Santa Catarina com seus pais, ainda menina. Casou com meu avô, Antônio Ângelo, e tiveram nove filhos; seis homens e três mulheres. Os dois tinham sido apenas alfabetizados, mas meu avô sempre foi muito inteligente. Enfrentaram juntos uma miséria extrema, mas com esforço e união, deram a volta por cima. Criaram muito bem os nove filhos. Saíram do interior, ganharam a vida em outras terras e depois retornaram. Viveram até os últimos dias no lugar onde nasceram. Meu avô faleceu antes da vó, em 2016.
Para criar meu pai, que foi o primogênito, enfrentaram inúmeros desafios, usavam muita criatividade para oferecer o sustento que uma criança precisa. Nunca deixaram faltar comida. Meu pai foi alimentado com leite de cabra. Vovô bebia água com açúcar para deixar o leite para os filhos e para a esposa. Ele era agricultor, e minha avó cuidava da casa e dos filhos, sempre com apoio do marido, que era zeloso e muito cuidadoso com a saúde dela. Vovó gostava de manter a casa sempre organizada, tudo muito limpo e em ordem.
Era super caseira e tinha prazer em cuidar da horta e do jardim. Outra paixão da minha avó eram os dois cachorros que ela amava, o Tigre e o Duque. Gostava de passear na casa de suas irmãs que moravam próximo a ela. Uma lembrança engraçada é que vovó sempre nos repreendia quanto à guloseimas. Era quando repetia "a saúde começa pela boca!" Quando nós íamos pousar aos sábados na casa dela, tínhamos de jantar bem cedo e demorar para deitar, porque ela era muito preocupada; achava que se fôssemos dormir com a barriguinha cheia teríamos uma indigestão. E estava certa!
Quando eu decidi sair de casa, aos 17 anos, para ir estudar com as freiras, ela - juntamente com meu avô - me chamou e, carinhosamente me deu um jogo de lençol para eu levar. Me abraçou dando muitos conselhos; eu fui para o convento, mas não segui a vida religiosa, porque não tinha vocação. Descobri isso depois.
Meu avô sempre exerceu liderança na comunidade em que eles moravam; era da comissão dos moradores. Ele era responsável por zelar pela igreja, além de cuidar das finanças.
Minha avó sempre foi o alicerce do meu avô. Eles arrecadavam e encaminhavam as doações, faziam a manutenção e cuidavam das festas religiosas. Eram também responsáveis por abrir a igreja e o salão. As filhas e filhos eram da equipe litúrgica. A minha avó cuidava particularmente da organização do altar, fazendo os arranjos de flores e folhagens.
A principal característica dela, no entanto, sempre foi a parceria com meu avô no casamento, o zelo pela família, e o seu amor que protegia a todos. Deixa-nos um exemplo de muita cumplicidade e união. Somos uma família muito abençoada por Deus por termos tido uma mulher incrível em nossas vidas."
Prazer nasceu em Anita Garibaldi (SC) e faleceu em Barracão (RS), aos 93 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela neta de Prazer, Zilda Alves dos Santos. Este tributo foi apurado por Lucas Cardoso, editado por Ana Macarini, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Rayane Urani em 23 de julho de 2021.