1947 - 2020
Em seu comércio, tratava todo mundo como “meu filho” ou “minha filha” e conquistava a todos com seu sorriso.
Ele amava demais a família. Minutos antes de ser entubado, ao ouvir o filho chamar pelo telefone, fez questão de dizer com a voz já sôfrega: “Diga a ele que estou bem”. Fazia o que fosse necessário para proteger aqueles que amava.
Recém-saído da adolescência, deixou o sertão da Bahia para trabalhar em São Paulo e conseguir sustento para os pais. Já estava apaixonado, mas arriscou manter o namoro à distância. Funcionou. O ano de 2018 marcou a celebração dos 50 anos de casamento. Quatro filhos, vários netos.
A vida na cidade grande, porém, não agradou. Renato juntou um pouco de dinheiro e regressou para Queimadas, sua cidade natal. Popular e muito gentil, fez sucesso no comércio. Começou com uma lotérica e, recentemente, fazia sucesso com uma lanchonete – ao lado de uma escola, o ponto de encontro era parada obrigatória dos alunos e professores.
E ali, a família sempre tão importante, ganhava contornos estendidos. O tão querido “Seu Renato” não tinha clientes: para ele, todo mundo era “meu filho” ou “minha filha”, independentemente da idade. O sorriso dele ao atender fazia tanto sucesso quanto os lanches, preparados pela esposa.
A expressão simpática só desaparecia quando o Flamengo entrava em campo. Nessa hora, o nervosismo tomava conta de cada linha do rosto daquele baiano fanático pelo futebol carioca. Renato havia sido goleiro no time de Queimadas na juventude e admirava o esporte com olhos de torcedor e conhecimento de atleta.
Só não era muito bom de disciplina – quando os filhos eram pequenos, ralhava com eles por pressão da esposa. Mas, minutos depois, já estava arrependido e cancelava o castigo que ele mesmo havia estabelecido. Ultimamente a dificuldade era obedecer ao médico, que tinha proibido o refrigerante por causa do diabetes. Fazer o quê, quando o açúcar está no sangue?
Na época da lotérica, Renato precisava ir à Caixa Econômica Federal de Salvador, duas vezes por semana, para entregar os bilhetes preenchidos (ainda não havia internet para transmissão online das apostas). Que memórias doces essa época deixou: frutas diferentes, chocolates e iogurtes, vendidos apenas na capital, faziam a alegria dos filhos no retorno das viagens, ocorridas sempre às quartas e sextas.
A cada regresso, uma surpresa. Algumas vezes, mais especiais do que outras, a sacola incluía gibis com aventuras de heróis. Personagens de ficção que ajudaram a fixar, na memória da família, a importância de ter por perto o carinho e a força de um superpai.
Renato nasceu em Queimadas (BA) e faleceu em Salvador (BA), aos 73 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo filho de Renato, Marcos Murilo Oliveira Varjão. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Juliana Parente, revisado por Paola Mariz e moderado por Rayane Urani em 19 de setembro de 2020.