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Reni Renato Mota Martinez

1949 - 2020

Contido para demonstrar sentimentos, era dono de uma sabedoria e inteligência admiráveis.

Não era muito de dizer “eu te amo”. Um cara tímido, sério e quieto, que mais observava e ouvia, do que falava. Mas nada que os netinhos não derrubassem. Fascinado pelos três pequenos, sempre repetia: “Vem cá dar um abracinho no vovô, seu velhinho”. E assim os enchia de carinho e recebia muito de volta.

Outra coisa que o fazia perder a pose era o jeito dos filhos. Diferentes do pai, Renata, Michele, Fernanda e Jerônimo eram considerados “bobalhões” por ele. Bastava começarem a dançar ou fazer gracinhas para Reni dizer, rindo, “a bobagem chegou e parou nesse corpo”. Esse era seu humor.

Apesar do jeito sisudo, nunca foi um cara amargo. Gostava de receber a todos em casa, escutar suas histórias e dar bons conselhos. Sabia de onde os mórmons da região tinham vindo, o porquê de uma certa menina vender brigadeiros no bairro, ou até como o cara que vendia pães de porta em porta iria usar o dinheiro das vendas. Doava seu tempo com prazer.

Trabalhou desde cedo e se esforçou muito para garantir uma boa vida aos quatro filhos. Na empresa que trabalhou mais tempo, a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), começou como leitor de hidrômetro, passou para a equipe de manutenção em rua, depois logística e administrativo. Já era muito admirado pelos colegas, que o consideravam um grande profissional. Até que, aos 43 anos, começou uma faculdade. Ele passava o dia trabalhando e à noite, estudava. Já formado, fez um concurso para gerente e passou.

Ensinou aos filhos que não se pode depender de oportunidades. É preciso correr atrás. Por isso, mudaram-se muito de cidade. Mas o início e o fim da vida de Reni foram na mesma cidade: Alegrete, no Rio Grande do Sul. Bem como sempre sonhou, quando se aposentou fez as malas e voltou à casa que ajudou o pai a construir quando era criança. Reni era muito sentimental com as raízes.

A esposa, com quem passou 40 anos, não quis acompanhá-lo e ficou em Santa Maria. Viveram os últimos 15 anos em um relacionamento à distância de 3h30m de carro entre uma cidade e outra. Eram pelo menos quatro ou cinco ligações por dia para a “Tesouro”, e visitas aos fins de semana, feriados e datas comemorativas.

Como nunca conseguiu ficar parado, com a aposentadoria, começou a se dedicar aos hobbies. Durante toda a vida, foi movido por música. Por isso, equipou a casa com caixas de som, e logo que acordava já colocava um CD, DVD ou vinil para tocar seus rocks favoritos. E por falar em som, uma das coisa mais importantes para ele eram os violões, que além de fabricar, tocava lindamente. Também investiu no conhecimento para moldar e vender facas.

Além disso, tinha muito apreço pelos animais e, apesar de não ter um quintal em casa, adotou um cachorro. O “Imundice” foi encontrado na rua e virou uma grande companhia até os últimos dias dos dois. Ambos adoeceram juntos e foram internados com 24 horas de diferença. O vira-lata morreu três dias antes de Reni — como quem se adiantava para arrumar a casa e receber o amigo.

Reni nasceu em Alegrete (RS) e faleceu em Alegrete (RS), aos 70 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Reni, Renata Martinez. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Mariana Campolina Durães, revisado por Gabriela Carneiro e moderado por Rayane Urani em 30 de outubro de 2020.