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Rômulo Divino dos Santos

1965 - 2021

Apegado aos velhos hábitos, adquiriu 200 filmes em VHS para garantir as sessões de cinema com a família.

Filho de Maria de Lourdes e irmão de Gilberto, Josué, Hamilton, Jailton, Rosinha, Genivaldo, Sergio e Raimundo, desde muito jovem Rômulo ajudou no sustento da família, fosse cuidando dos irmãos mais novos ou trabalhando no açougue de Gilberto. Por conta das responsabilidades, acabou estudando somente até o colegial.

Rômulo gostava muito de dançar, ele fazia sucesso nos bailes de salão. Participava de campeonatos e muitas vezes levou o troféu de primeiro lugar para casa. Como fã do Michael Jackson, além dos passos, imitava também os looks do ídolo, usando luvas e tudo mais. Rômulo aproveitou a juventude dançando por toda Goiânia.

O trabalho no açougue do irmão rendeu uma experiência que mais tarde acabou por ser requisitada nos mercados da cidade; logo tornou-se Chefe Açougueiro. Apesar de realizar muito bem, e com prazer, as suas atribuições no mercado, Rômulo queria mesmo era ser cabeleireiro.

Aos 17 anos conheceu Deuselene, que à época tinha 16, em um comício na cidade. Passaram a se encontrar escondido durante muitos meses. Quando assumiram o relacionamento, rapidamente estabeleceu-se uma parceria de vida; casaram-se depois de 14 anos de namoro e logo tiveram e primeira e única filha: Rômula.

O nome da menina está longe de ser uma coincidência. Quando Ana estava grávida, Rômulo combinou com a família que o nome da bebê seria escolhido em um sorteio de papeizinhos. Mais tarde descobriu-se que, na verdade, todos os papeizinhos tinham o nome Rômula!

A filha foi o grande xodó da vida dele. Fazia questão de cuidar com amor e empenho de todos os detalhes que a cercavam, como a festa de aniversário surpresa pelos 15 anos dela, por exemplo. Ele decorou um espaço inteiro de vermelho e branco, com milhares de balões e todos os detalhes que fazem uma festa importante como essa tornar-se inesquecível.

O amor era tanto, que a ideia de dividir atenção com o genro Tiago foi um problema no início do namoro de Rômula. Mas a marra não durou muito e logo, Rômulo e o genro, tornaram-se grandes amigos.

Bem antes do nascimento da filha, Rômulo e a esposa realizaram outro sonho: Deuselene trabalhava em um salão como manicure e logo veio a ideia de abrirem seu próprio espaço juntos, o RD Cabelos. Começaram como foi possível e logo foram conquistando uma fiel e satisfeita clientela.

Rômulo sempre foi uma pessoa de muitos amigos, o que se deve ao seu jeito carinhoso e receptivo com todos. Também era muito apegada às funcionárias do salão; chamava todas de filha, levava no médico, fazia o que estivesse ao seu alcance para ajudá-las.

No salão ele fazia cortes femininos, masculinos e infantis; finalizava colorações, deixando-as perfeitas e fazia penteados impecáveis, pra que suas clientes também brilhassem nos bailes goianos. Algumas clientes mantêm em seu celular o contato “Rômulo Salão” e pretendem manter desse jeitinho, para que a memória do querido amigo e cabeleireiro continue viva.

Inspirava-se no tema rústico para decorar o salão, onde muitos detalhes foram feitos em madeira e com objetos antigos. Alguns dos móveis ele mesmo fez, ou criou e pediu para algum marceneiro amigo produzir. “As luminárias feitas com secadores de cabelo e as paredes revestidas com pastilhas de madeiras foram ideia dele”, detalha a filha Rômula. Após a sua partida, filha e esposa encontraram um bilhete escrito por Rômulo, guardado dentro de uma bíblia. Parte dele dizia: “amo isso tudo aqui, nossa casa e nossa família”, foi mais um estímulo para mãe e filha sigam dando continuidade aos atendimentos oferecidos pelo RD Cabelos, para manter o legado do pai.

O que Rômulo tinha de cuidadoso, também tinha de esquecido; aconteceu algumas vezes de ir ao supermercado de carro e voltar a pé; só bem depois, no fim do dia, é que ele se dava conta do que havia feito. Um hábito curioso era que ele amava ler e reler jornais. Ele lia e guardava; passava alguns dias lá estava ele relendo exemplares antigos e compartilhando as notícias como se fossem novas. A sessão predileta era a de piadas, ele ria de todas e fazia todos no salão sorrirem junto com ele ao recontar as anedotas.

Avesso aos avanços da tecnologia, Rômulo sempre evitou o celular e suas modernidades. Pagava as contas na lotérica, fazia compras pessoalmente e não usava as redes sociais. A história mais improvável é de quando os filmes em VHS começaram a ser substituídos pelos serviços de transmissão online, e a locadora que ele sempre locava os filmes anunciou que iria fechar. Rômulo não pensou duas vezes: foi na locadora e comprou mais de 200 filmes originais! “Temos todos guardados em casa” conta a filha.

Improvável também era a relação dele com cachorros. Ele sempre resistiu aos pedidos da filha em adotar algum. Até que ela ganhou um da tia, o Ricco. Em pouco tempo o coração de Rômulo acolheu o pequeno, que se tornou um companheiro de caminhadas em volta da piscina.

Ele também desenhava muito bem, e essa era uma habilidade que pouca gente conhecia. Gostava de criar paisagens com barcos e coqueiros. Seu gosto pelas coisas simples da vida também se refletia no prato preferido: arroz, feijão e ovo frito! De vez em quando também gostava de tomar cerveja preta com mãe, e nem era pela bebida, mas para fazer companhia. Assim era Rômulo: para ele o que mais valia era a presença das pessoas, estar com quem amava e honrar a beleza das relações verdadeiras.

Rômulo nasceu em Goiânia (GO) e faleceu em Goiânia (GO), aos 56 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Rômulo, Rômula Cândida Santos. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Rayane Urani, revisado por Ana Macarini e moderado por Rayane Urani em 26 de outubro de 2021.