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Ronaldo Oliveira

1965 - 2021

O criador do Coruja’s Bistrô apoiava a cultura popular, e embalava amigues em aconchego e paz.

Durante mais de sete anos da sua vida, Ana Carolina frequentou um pequeno bistrô do Bairro Braz de Pina, no Rio de Janeiro. O Coruja’s Bistrô foi uma criação do Ronaldo Oliveira. No terraço de sua casa, abriu o espaço, onde boa comida e bebida gelada acompanhavam o principal do cardápio: o culto à boa música, à cultura popular e à Música Popular Brasileira.

A ausência de Ronaldo provocou o fechamento do Bistrô, pelo menos de forma temporária, deixando um vazio na vida dos frequentadores-amigues dele. A família ainda decidirá se o projeto terá continuidade. "O espaço era quase um santuário. Em um ambiente de tamanho pequeno, sobressaíam um grande altar, onde repousavam Orixás, imagens de corujas, velas acesas e plantas, elementos que, somados à circulação dos gatos, conferiam ao local um tom intimista, espiritual", recorda.

Ali, ele não era só o dono. Trabalhava na cozinha, atendia quem lá ia e também cantava, a convite do cantor escalado para a noite. Este era o momento preferido de Ana Carolina, que tinha uma canção favorita. "Canta Canteiros, Ronaldo", ela pedia. A música de Fagner sempre estava no cardápio da noite embalada por ele.

Todes que lá iam, procuravam tranquilidade, aconchego e fugiam do movimentado "polo gastronômico" localizado a poucos metros dali. "O Coruja’s Bistrô era a casa dele e, sendo assim, os ‘convidados’ podiam circular em outros espaços, como uma grande sala, onde Ronaldo guardava seus discos e livros", conta a amiga que foi pela primeira vez no local a convite de outros amigos e acabou ficando "freguesa de carteirinha".

Anos depois da primeira visita, já namorando o músico Renan, Ana Carolina o apresentou a Ronaldo. Ali nasceria mais uma amizade e parceria, tornou-se músico do local. "A gente ia para lá, ouvia boa música, comia excelentes petiscos – o bolinho de feijoada que ele preparava era divino, o melhor que já comi – encontrava e conhecia muitas pessoas".

A todo momento foi ligado à cultura popular. Abria espaço para saraus (Ana Carolina, também cantora, fez canjas por lá), produzia vídeos sobre a cultura do bairro, estava continuamente envolvido com projetos que tivessem por objetivo garantir esse acesso às pessoas.

A morte de Ronaldo, para Ana Carolina, "é a perda de um espaço de aconchego, de cultura, de música e de um espaço que eu ocupava no mundo", explica. Com a lembrança das noites em que os gatos circulavam pelo espaço do Bistrô, do embalar do corpo na rede colocada por ele na árvore em frente ao terraço e quando ouvia a sua voz cantando:

"Quando penso em você
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Já me dá contentamento
Pode ser até manhã
Cedo, claro, feito o dia
Mas nada do que me dizem
Me faz sentir alegria
Eu só queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
E eu ainda sou bem moço pra tanta tristeza
E deixemos de coisa, cuidemos da vida
Pois se não chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moço
Sem ter visto a vida (...)",

Recorda o momento em que procurou um vídeo gravado por ela de Ronaldo cantando Canteiros, após saber da morte do amigo. Para sua surpresa, na última visita que fez ao Bistrô, Ana não o gravou cantando "Canteiros", e sim 'Onde Deus Possa me Ouvir', de Vander Lee. A música, cuja última palavra, é "Adeus", ficou registrada no celular de Ana Carolina mesmo sem ela lembrar. "Foi impactante ouvir aquele Adeus", resume.

Ronaldo nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 56 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela amiga de Ronaldo, Ana Carolina Pessanha Teixeira de Mendonça. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Patrícia Coelho, revisado por Magaly Alves da Silva Martins e moderado por Rayane Urani em 27 de janeiro de 2022.