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Selma Cristina Brandão Palmeira

1982 - 2020

Sempre alto astral, era o sorriso que a cidade encontrava, e confiava, na hora da fezinha.

Talvez Selma nunca tenha ouvido a versão brasileira da canção “Sorri”, de Charles Chaplin, mas genuinamente fez do sorriso a sua marca ao longo dos trinta e sete anos de vida.

“Posso ouvir a gargalhada gostosa dela agora”, relembra com saudades a amiga Manoela. O vínculo criado desde a adolescência, quando ambas viveram em casas vizinhas, tornou-se sinônimo de irmandade. “Ela também era a melhor amiga da minha irmã e nossas famílias acabaram se unindo como se fossem uma só. Frequentávamos muito a casa uma da outra”, conta com afeto.

De natureza alegre, cordial e apaziguadora, Binha, como era tratada entre as amigas, reunia simpatia, alto astral, confiança. "Na juventude, gostava das festas de São João. Ao sair com a turma, meu tio dizia: 'proceda' (com o sentido de 'tenha juízo'). Ela sempre bem-humorada respondia: 'tô procedendo, tio'."

A facilidade com a Matemática desde os tempos de escola a levou, por acaso ou por escolha, ao emprego na casa lotérica da pequena cidade de Lauro de Freitas. Funcionária de longa data do estabelecimento, recebia os clientes com cordialidade e paciência. Quem não a conhecia pelo nome identificava-a como “a menina sorridente da lotérica”. “Tinha gente que só ia fazer apostas com ela.” Manoela rememora com certa graça um fato divertido com um morador da cidade: “o rapaz acertou a quina e, quando chegou para retirar o prêmio, Selma identificou que o valor era de pouco mais de dois reais. Foi só gargalhada entre eles”.

Não foi à toa que, quando adoeceu, “toda a comunidade local, gente de todas as religiões, rezou por ela”. Era uma pessoa prestativa e mantinha a amizade sem interesse.

Filha de pais separados, nutria uma relação muito amorosa com os dois. Trabalhadora desde bem jovem, concluiu o ensino médio como boa aluna em Matemática. Selma era dinâmica e proativa e tinha o sonho de “tirar a mãe do aluguel”. Conseguiu conquistar seu apartamento pelo programa Minha Casa, Minha Vida e para lá se mudou com a mãe e o marido. Ter filhos, no entanto, não estava nos seus planos.

Gostava de tomar uma cervejinha com as amigas nos finais de semana. E era pura alegria!

Selma nasceu em Irará (BA) e faleceu em Lauro de Freitas (BA), aos 37 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelas amigas de Selma, Manoela Gimima Santos do Bomfim Carriço e Tatiana Paixão da Conceição. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Fabiana Colturato Aidar, revisado por Acácia Montagnolli e moderado por Rayane Urani em 5 de maio de 2021.