1953 - 2020
Depois de rodar o mundo, Serjão virou pai solo de gêmeas, e dedicou a vida a realizar os sonhos delas.
Serjão, como era conhecido, nasceu num dia de junho, no bairro do Bixiga. Embora seu início de vida tenha sido marcado por dificuldade e sofrimento, conforme foi crescendo as coisas melhoraram. Trabalhou em teatros, conviveu de perto com a arte, e através dela ganhou o mundo. Onde havia trabalho, lá estava ele, e de cidade em cidade foi conhecendo o Brasil. Viveu por anos no Rio de Janeiro e até morou fora do país, mas sempre que podia voltava para o amado bairro paulistano do Bixiga.
Foi numa dessas caminhadas da vida que conheceu Leonor, seu grande amor, aquela que mudaria completamente a sua história. Dos três anos de relacionamento nasceram a Luiza e a Soniley, as gêmeas. Leonor partiu de repente em um domingo de manhã e Serjão nunca mais se casou.
De homem livre e solteiro passou, num curto intervalo de tempo, a pai em tempo integral. Para onde fosse, as meninas estavam com ele. Sempre os três, sempre juntos. E como pai foi excepcional. Não há linhas suficientes para contar de todas as noites em que, no hospital, ficava em companhia da filha asmática, ou todas as lutas que travou em busca de melhores condições, terapias e acessos para a filha que nasceu com uma deficiência. Dedicou toda a vida a cuidar das meninas, seus amores.
As dificuldades que passou o faziam dizer que não acreditava em Deus, mas, sempre que a coisa apertava, corria a fazer promessas e acender velas para Nossa Senhora Aparecida. Acreditava em cristais, e em lavar os pés na água do mar, para limpar as energias. Tinha muita fé em Nossa Senhora Achiropita; por isso, comparecia religiosamente às festas dedicadas à santa, onde se deliciava com o macarrão ao sugo, sem o qual - tinha certeza -, a vida não andaria bem até o agosto seguinte.
Era a alegria em movimento. Já no hospital queria comer bolo de morango, fazer um churrasco para reencontrar os amigos. Esperava ansioso pela vacina. A enfermeira contou que ele conversava e fazia piada com toda a equipe. Foi assim que sua filha reconheceu que ela falava sobre o pai.
Os sonhos de Sergio continuarão vivos na lembrança da filha Luiza: conhecer a Ilha de Paquetá; comer um angu do Gomes; assistir a uma apresentação do Cirque du Soleil; comemorar o aniversário em um cruzeiro (de preferência de surpresa); ver a filha ir estudar no Japão; ter um neto, mesmo que postiço, para poder ensinar suas brincadeiras; voltar a ter um Fusca cor de jerimum, igual ao que teve na década de 1980; ganhar na Mega-Sena, não sem antes se lembrar de jogar; e, por fim, ver suas filhas felizes e realizadas.
Tinha a certeza de que esse último sonho estava encaminhado. Uma das últimas memórias da filha Luiza é vê-lo no sofá lhe dizendo: "Você está indo bem. Você está indo bem".
Sergio nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 67 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela filha de Sergio, Maria Luiza Kumagai Rodrigues. Este tributo foi apurado por Rayane Urani, editado por Rosa Osana, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Rayane Urani em 28 de junho de 2021.