1932 - 2020
Orgulhava-se tanto de sua história que até os motoristas se tornavam ouvintes desta nordestina feita de amor.
Dona Severina viveu um amor à distância com o marido Manoel por vários anos. Ele deixou a Paraíba e foi para o Rio de Janeiro em busca de condições melhores para toda a família, mandava dinheiro mensalmente para a esposa. Devido aos milhares de quilômetros e às despesas para visitá-la, pouco ia em casa, mas sempre que se encontravam "faziam mais um filho".
Enquanto o senhor Manoel trabalhava arduamente, Severina complementava a renda com muita luta também. Criava galinhas, porcos e mantinha plantações no quintal.
Caminhava léguas para comprar fiado na vendinha. Voltava com arroz, farinha e tecido para fazer as roupas dos rebentos. Já os vestidos para ela eram poucos, pois preferia que as crianças tivessem mais peças no guarda-roupa.
Dona Severina foi ao encontro de seu grande amor quando ele conseguiu comprar uma casa para a família, em 1969, cerca de dez anos depois de partir. Pegou ônibus com os oito meninos e encarou vários dias de viagem.
À medida que se afastava do Nordeste e que as noites chegavam, o frio aumentava. Não havia cobertor nem roupa adequada para aquecer todos, os passageiros a ajudaram a cuidar deles. Em toda a travessia pediu a Deus que protegesse a ela e aos filhos.
Chegaram bem em terras cariocas. Na cidade, nasceram mais dois filhos, totalizando uma dezena. A contar com ela e o marido, eram 12 pessoas debaixo do mesmo teto. O casal batalhava incansavelmente pelo sustento dessa dúzia de gente. Ela lavava, passava e costurava para garantir o que a família precisasse. Já seu Manoel trabalhou em uma fábrica de sabão até se aposentar.
Um das filhas, Selma, conta que o amor nunca faltou em casa, transbordava. Era tanto que dividiam com mais pessoas, a porta do lar e do coração de dona Severina estavam sempre abertas. Assim, além dos nove irmãos de sangue que os filhos tiveram, o carinho e a bondade da mãe e do pai trouxeram vários irmãos de alma para eles.
Muitos iam à residência provar das comidas saborosas que essa nordestina fazia: mocotó, dobradinha, frango com quiabo e tantas outras guloseimas.
Junto aos pratos, as refeições eram acompanhadas pelo tempero das histórias de Severina. Ela não se cansava de contar tudo o que passou desde os tempos de criança. Uma infância marcada pela pobreza, mas também pela superação desde sempre. Com alegria, Severina contava como era carregar lata d'água na cabeça, tomar banho de rio e fazer do pouco o suficiente no sertão da Paraíba. Depois, ela enveredava pelas lutas da vida adulta com a numerosa família.
Orgulhava-se tanto de sua história que até os motoristas de ônibus se tornavam ouvintes. Desconhecidos ouviam o que essa mulher feita de batalhas e afeto tinha a dizer, eram seduzidos pelo amor que ela colocava em cada palavra, muitos tornavam-se seus admiradores.
A filha Selma conta que deixava os filhos com Severina para ir trabalhar e o mesmo táxi que ela usava era dividido com a mãe. Os taxistas ficavam sabendo tudo da vida dessa forte nordestina e da dela também.
Evangélica fervorosa, a fé não a cegava. Na despedida com os poucos permitidos neste momento, entoaram uma das músicas que ela cantarolava: "Faz um milagre em mim".
Assim como na juventude, ficou alguns anos separada de seu Manoel porque ele partiu antes. Agora, reencontrou-se com ele. Desta vez, os dois seguem pela eternidade. Hoje, ela alegra os céus com amor, sua principal arma para aplacar as dificuldades que encontrou na Terra.
Severina nasceu na Paraíba (PB) e faleceu em Duque de Caxias (RJ), aos 88 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela filha de Severina, Selma Gadelha de Souza. Este tributo foi apurado por , editado por , revisado por Otacílio Nunes e moderado por Rayane Urani em 13 de setembro de 2020.