Sobre o Inumeráveis

Severina Josefa De Moura

1932 - 2020

Dona Bia, curandeira de vocação, amava rezar e contar lendas urbanas. Acreditava que o amor muda tudo.

Dona Bia, como era carinhosamente chamada desde pequena pelos pais e familiares, começou a trabalhar ainda muito nova. Iniciou como cozinheira, na pesca, entre outros serviços gerais, tudo para sustentar e criar seus 16 filhos. Mesmo com a perda de muitos deles, por doenças e abortos espontâneos, não perdia a alegria e a garra pela vida.

A numerosa família foi tudo para ela. Além dos filhos, somava 11 netos, 15 bisnetos e dois tataranetos, e "os mais novos eram seus xodós", conta sua bisneta Louhanny. Ela amava reunir todos nos almoços e festas de família. Tinha o costume de agradecer, por isso sempre rezava antes e depois de cada reunião. "Orávamos todos juntos, e ainda levávamos bronca se não estivéssemos fazendo certo. Ela cantava sempre a música Derrama Senhor" lembra, saudosa, Louhanny.

Dona Bia era o amor em forma de pessoa e seu sorriso contagiava a todos por onde passava. "Sempre nos recebia com carinho e muito 'xeru'" conta a bisneta.

Orar foi seu maior hobby e amor desde dos 7 anos de idade, quando já frequentava a igreja. Antes da pandemia a casa de Dona Bia vivia cheia de pessoas em busca da sua fervorosa oração. Era conhecida por todos como curandeira, e exercia essa atividade com muito amor, sendo incapaz de cobrar algo em troca da ajuda.

Participava do Apostolado e acreditava que rezar pelos outros era seu dever aqui na terra. Sua bisneta conta que Dona Bia tinha um dom verdadeiro, "rezava na cabeça das pessoas" e "para várias doenças, olhado, dor de dente, peito aberto", para essas e outras dificuldades que as pessoas enfrentavam. Conta também que ela rezava com folhas de Pião, uma planta medicinal, e que tinha um vasto conhecimento de ervas e plantas para qualquer enfermidade.

Amava cantar e dançar, era fã de Zeca Pagodinho e Alcione. Foi a melhor de toda a praia de Maria Farinha em fazer comida junina e frutos do mar. Rezava o terço toda noite, antes da novela que assistia, e amava admirar os galãs. Dona Bia acreditava que mesmo aos 87 anos se podia namorar e ser feliz com alguém.

Foi uma verdadeira contadora de "Histórias de Trancoso" (lendas da cultura popular), que narrava para a vasta família no final da tarde ou na hora de dormir, quando todos se reuniam na sala ou na cozinha de sua casa.

Sua bisneta conta que a história mais marcante que sua bisavó contou foi de quando Dona Bia era mais nova e foi a um baile da cidade, contra a vontade de sua mãe, que acreditava ter visto a mula sem cabeça. Quando voltou para casa, Dona Bia se deparou com a mula e saiu correndo, toda assustada. Eram muitas as histórias, agora guardadas na memória das inúmeras pessoas que a amavam.

Saudosa, sua bisneta a homenageia dizendo que "o ensinamento maior que ela deixou pra mim foi sempre fazer tudo com amor, pois ela dizia que o amor mudava tudo. Levo isso comigo sempre".

Também sua filha mais nova, Genilda, diz que "sente muita saudade dela", que "sabe que ela está com Deus" e que "sempre será eterna". E sua primeira neta, Dannubia, agradece por Dona Bia tê-la criado e lembra a última frase que a avó lhe disse: "que eu era boa de coração, que me amava muito, que me guardava no coração eternamente, cheia de saudade".

Ela está na morada céu, mas foi eternizada no coração de todos. Está presente na saudade dos que a conheceram, na memória das pessoas que curou e na lembrança daqueles para quem foi capaz de ensinar o verdadeiro significado do amor.

Severina nasceu em Paulista (PE) e faleceu em Jaboatão dos Guararapes (PE), aos 87 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela bisneta de Severina, Louhanny Mikaeli Santos Ferreira. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Criles Monteiro e Maria Paula Rosa Freato, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 15 de julho de 2021.