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Sileide Lopes Ornelas

1965 - 2020

Sileide fazia um delicioso bolo de queijo repleto de sabor e afetividade.

Cozinhava bem, não importava para quem. Ler e contar a vida de Sileide por meio de sua relação com a cozinha é uma narrativa fácil de acontecer, uma vez que foi de fato um fio condutor de sua vida.

Filha do goiano Eustáquio e da baiana Rita, “Nega”, como era chamada pelos familiares, começou sua trajetória no mundo culinário trabalhando na casa de uma família brasiliense. E desde então, sempre que preparava algum prato, o resultado era elogiado.

Em outro momento da vida trabalhou numa empresa que prestava serviços para o Clube do Congresso, também em Brasília. Como chefe de cozinha, preparava os pratos servidos em festas realizadas no local, frequentado por funcionários públicos e autoridades da capital federal. Saladas tropicais, tabules, rocamboles de carne eram muito apreciados. E os comentários de louvor e satisfação sempre chegavam até ela, através do proprietário do buffet. “Os deputados elogiavam muito”, conta orgulhosa a filha Janaina.

No percurso, Sileide cuidava de buscar estar informada sobre o universo culinário. Lia bastante sobre o assunto, anotava receitas, comprava e ganhava livros e coleções sobre a arte de preparar uma boa refeição. E ficava sempre alegre quando descobria algum segredo ou detalhe que pudesse usar na preparação de seus pratos.

Em casa não poderia ser diferente. Amava cozinhar para todos da família. A canja preparada por ela era uma das receitas mais apreciadas pelos filhos Janaina, Débora e Danilo e também pelos netos. Tinha também o famoso bolo de queijo da “Nega” e os bolinhos fritos de polvilho.

Quanto ao bolo de queijo, há um detalhe a mais que não pode deixar de ser contado, Sileide foi casada com o piauiense Gustavo; e foi desse jeito que aprendeu a fazer o “Bolo Piauí”. Era assim que os de casa chamavam um bolo de queijo, polvilho e ovos preparado por ela. A receita foi aprendida com as irmãs do marido. Dizer que era uma delícia é necessário, embora possa ser redundante.

Na casa paterna, foi como uma mãe para os 6 irmãos. Era uma das filhas mais velhas e, juntamente com Maria de Fátima, irmã carinhosamente chamada de “Tinha”, cuidava dos irmãos enquanto os pais estavam no trabalho. Um carinho especial sempre foi dedicado à irmã Olinda, que não era a caçula, mas Sileide sempre cuidava dela como se assim fosse. O ato de cozinhar também se fazia presente entre as atividades da casa. Janaína relata que, apesar de muito nova à época, Sileide também cozinhava junto com a mãe e ajudava a preparar a alimentação da família desde os 8 anos de idade.

“Neide”, como era chamada pelos amigos, era uma mulher muito vaidosa. Antes de sair, dedicava um tempo para a maquiagem, quase que como a um ritual. Em uma profissão em que as mãos estavam em evidência, as unhas feitas e bem cuidadas eram uma marca dela.

Outra arte de Sileide era o crochê, que funcionava como “uma terapia dela”. Nas horas de descanso, lá estava ela sentada com sua sacola de linhas do lado. E do ato de tecer com suas mãos habilidosas, brotavam tapetes, almofadas, e até roupas para as netas.

De uma forma geral, para todos da família fica a lembrança de uma “conselheira”. Sileide era muito habilidosa na arte de ouvir e opinar sobre o que os parentes lhe contavam. A neta Yasmini tinha a avó como alguém para dividir suas questões. Tanto os fatos bons e agradáveis, como os desafios. E na medida que o acontecimento exigia, Sileide sabia a hora de “passar a mão na cabeça”, mas não deixava de dar “aquela bronca” quando necessário. A filha Débora lembra que Sileide sempre sabia o que as pessoas à sua volta precisavam: um abraço, um conselho, um colo, um sorriso. Já o sobrinho e afilhado Diego diz que “além de tudo, fica uma saudade do sabor da comida dela”.

Janaina e Débora fizeram questão de salientar que o maior legado deixado pela mãe foi seu exemplo de força, coragem, determinação e vontade de viver. Mesmo nos momentos em que precisou enfrentar um câncer, jamais perdeu a alegria e sempre sorria, superando os desafios do tratamento.

Espírita e devota de Nossa Senhora Aparecida, prestativa e brincalhona, Sileide, que trabalhou muito nessa vida, segue presente nas recordações da família por seus sabores e sabedoria.

Sileide nasceu em Brasília (DF) e faleceu em Brasília (DF), aos 54 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Sileide, Janaina Lopes Ornelas. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Ana Macarini e moderado por Rayane Urani em 11 de junho de 2021.