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Silvia Lina dos Santos

1967 - 2020

Artista e sempre à frente de seu tempo, foi a melhor amiga do filho.

Nascida em um local simples, no sudoeste da Bahia, Silvia foi para a cidade de São Paulo com os pais, ainda bem pequena, com o objetivo de melhorarem de vida. Precisou aprender a se virar junto com as irmãs para sobreviver, mas, com sua inteligência e garra, fez dos obstáculos o impulso aos seus objetivos.

Era muito inteligente, destacava-se nos estudos e adorava os livros, razão pela qual seu intelecto era admirado. Começou ainda cedo a gostar de arte e via nela um modo de expressão: escrevia em forma de poemas suas alegrias e angústias. Produzia qualquer tipo de arte que lhe fosse possível. Escreveu e dirigiu peças de teatro com os amigos e era tão criativa que, dentre outras coisas, frequentava os locais com as roupas que ela mesma criava, utilizando até estopa, chamando atenção no cenário alternativo paulistano.

Destacando-se por sua forma natural de ser, foi convidada a trabalhar com produção de eventos em um dos maiores jornais do país, a Folha de S.Paulo, local em que contribuiu imensamente para a divulgação e propagação de eventos à época. Do signo de escorpião, era uma mulher determinada e criativa. Sonhava, inclusive, em ter uma "produção independente" em vez de um casamento tradicional.

"Minha mãe tinha o espírito livre. Amava acampar, colecionar aventuras e sempre esteve à frente de seu tempo", diz o filho Jhonnatan.

Aos 20 anos, Silvia conheceria o pai de Jhonnatan. Meses depois, ela espantou muita gente da época com a decisão de ser mãe solo e, por certo tempo, largar as atividades profissionais para se dedicar ao filho. Para contragosto dos pais, recusava convites de casamento e nunca olhou para trás em sua escolha, por mais doloroso que eventualmente pudesse ser o julgamento que recebia. “Eu sempre achei que tinha acabado com os sonhos da minha mãe, mas, como ela sempre dizia: 'Você foi um presente que o universo me deu'”, relembra Jhonnatan.

Ela entregou-se a amar seu filho de forma incondicional. Ensinou-o a contemplar a natureza, a escutar os seus instintos e, sobretudo, a confiar em si em qualquer circunstância. Era a melhor amiga do filho. Leu com ele 'O Pequeno Príncipe' e "Sítio do Picapau Amarelo", aos 4 anos. Silvia comprava alface porque Jhonnatan gostava, usava amavelmente os perfumes criados por ele quando criança, apresentou a ele tanto o Pacman como o xadrez, que cantava canções de ninar em japonês... “Ela era única e insubstituível, apesar de sistemática e encrenqueira”, diz o filho.

Silvia era também uma mulher de muita garra. Após muito batalhar, conseguiu uma bolsa de estudos na faculdade, em troca da qual dava aulas de artesanato em uma escola pública. Houve vezes em que precisou ir caminhando até o local, pois não tinha dinheiro para o transporte. Após muito esforço, conseguiu abrir seu próprio negócio, no ramo de manutenção de jardins, mas por problemas de saúde, infelizmente, teve de se desfazer da atividade. Exemplo de força, sempre que retornava das internações e encontrava todo cuidado e afeto ao lado de sua família e de seu filho.

Muito próximos, os dois sempre compartilharam histórias com sorrisos e o amor sublime e delicado um do outro. Amavelmente, ela dizia: “Você é a força e potência do seu ser”, ao que Jonathan respondia: “Te amo, com carinho e gratidão”.

Silvia despede-se e deixa ao mundo um legado de afeto, liberdade e amor. Deixa também um recado, em um de seus escritos, que diz: "Suportei a flecha que sangra, venci a morte e superei a dor mais profunda. Passei pelo inferno e estou aqui, diante do paraíso, para vivê-lo".

Silvia nasceu em Rio do Antônio (BA) e faleceu em São Paulo (SP), aos 52 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelo filho de Silvia, Jhonnatan Santos. Este tributo foi apurado por Michelly Lelis, editado por Marcos Concórdia, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 2 de agosto de 2020.