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Suzana Almeida Souza

1964 - 2020

Quem olhava no fundo de seus olhos, via a criança alegre, comilona, louca por doces. Uma criança em festa.

A gente imagina que existe forma e momento perfeito para se despedir. A hora certa de soltar a mão do filho que está aprendendo a andar, o ponto certo do pão que está no forno, a bonança que vem sempre depois das tempestades.

Mas, os acontecimentos se dão na correnteza do viver. Não conseguimos segurar nada. Nem fotografando ou guardando dentinhos de leite. O rio flui sem cessar.

A vida é tecida pelos fios da mudança.

Suzana, apelidada de Zana, sabia disso. Se casou várias vezes, teve três filhas e alguns netos. Não dava muita bola para a diabetes e comia seus salgadinhos e doces. Mesmo com as filhas dando bronca, pedia seu “pastel com tudo dentro”. Zana vivia o presente.

Era bem humorada, palhaça. Ria de si e fazia as filhas rirem.

Como toda mãe, ela dizia: “Quando eu morrer vocês vão me dar valor!”. Como toda mãe, se culpava por não ter sido melhor. As três filhas que deixa também se culpam. Queriam ter feito mais, telefonado mais, dito mais.

A vida é um mágico que tira o coelho da cartola e diz: “O passado passou!”. A gente não entende bem como o truque se deu. Foi tão rápido. A gente gostaria de voltar atrás, ter nova chance, abraçar e não soltar nunca mais.

"Até seu último minuto comigo, assim que saímos da ambulância, ela foi a pessoa mais forte que eu conheci” diz Thalita, a filha mais nova. Thalita talvez não perceba, assim como Francis e Paula, que também é forte. Ser forte é ser imperfeito, errar, rir, comer doces sem poder, chorar de saudade, chorar de alegria. Testemunhar o rio fluir.

A história de Suzana é a história de quatro mulheres. Quatro que, corajosamente, assinaram o contrato do Amor.

Suzana nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 56 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Suzana, Thalita Almeida Otero. Este texto foi apurado e escrito por Mirna Ferraz, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 30 de junho de 2020.