1954 - 2021
Atuando como psicóloga, contribuiu para a saúde mental de muitas pessoas que não podiam pagar o tratamento.
As origens de Tânia acomodam um retrato do movimento migratório de europeus para o Brasil tempos atrás. Na genética dela, em alguma medida, estavam presentes traços italianos e alemães.
O sobrenome Devincenzi é de origem italiana. Os antepassados de Jaime, o pai de Tânia, mudaram-se da Itália para o Uruguai. E de lá, mais tarde, mudaram-se para a cidade de Uruguaiana (RS) e depois para Alegrete (RS), onde tinham fazendas e tiveram filhos. Mais um tempo e Jaime decidiu tentar a vida em Porto Alegre, onde conheceu a futura esposa Ida.
Da mãe, descendente de alemães, veio o sobrenome Shifferdeker, que deixou de compor o nome de Tânia depois do casamento, como era tradição naquela época. A avó Alzira, que durante um bom tempo morou na casa da filha Ida, foi fundamental para manter o laço com a cultura alemã. Alzira sempre se ocupou em manter a convivência entre os filhos e netos, em viagens para o litoral gaúcho ou para a chácara dela. Na convivência com os primos, a filha única de Jaime e Ida era chamada carinhosamente de Taninha.
Curiosamente, ao longo da vida, Tânia esteve diversas vezes na Alemanha acompanhando o marido, que, por razões profissionais, viajava frequentemente para aquele país. Noutra oportunidade, também esteve de passagem pelas terras germânicas com a filha Márcia.
O sobrenome Reis, de origem portuguesa, chegou depois do casamento com Francisco. A filha Márcia explica que os antepassados de Francisco são da linhagem de Joaquim Silvério dos Reis, um proprietário de minas de ouro na região onde hoje fica o estado de Minas Gerais e um dos responsáveis pela delação dos inconfidentes mineiros.
Como filha única, Tânia foi uma criança tranquila, sem um irmão para fazer companhia e brincar. Com o acompanhamento cuidadoso de Ida e da avó Alzira, a estudiosa Tânia interagia com seu grupo de amigas da escola. Além da escola regular, no seguimento da habilidade da mãe, aprendeu a tocar piano. Entre seus afazeres sempre havia tempo para estudar o instrumento, que tocava muito bem, o que acabou motivando a filha Márcia a também querer aprender a tocar.
Foi ainda bem nova, com apenas nove anos, que Tânia conheceu o Francisco, na época com doze anos, com quem viria a se casar aos vinte e um anos. Nas férias e feriados prolongados, as famílias de origem polonesa e italiana se encontravam regularmente na praia de Santa Terezinha, no litoral gaúcho. Com a passagem do tempo, o companheiro das brincadeiras no mar tornou-se namorado e depois companheiro durante o restante da vida. Houve um momento em que o casal até pensou em se separar, mas não ficaram sequer um mês longe um do outro.
Vaidosa, ela gostava de usar maquiagens e andar sempre bem vestida e tinha um bom gosto na escolha das roupas. Nas comemorações da família, Tânia era a alegria da festa com seus comentários e uma gargalhada bastante peculiar. “Ela ria alto e isso se destacava” no transcurso dos eventos nos quais ela estivesse presente. Com a habilidade de se relacionar de forma agradável com todos, ela era sempre uma “alegria na roda da família, criando um ambiente agradável para todos”.
Do amor do casal, primeiro nasceu Márcia e, cinco anos mais tarde, Francisco. Márcia, vinte e quatro anos mais nova que a mãe, acabou por se tornar uma grande companheira de Tânia, numa relação descontraída de parceria e amizade. “Nós íamos ao shopping juntas, fazíamos o cabelo e a unha juntas. Sempre que nos encontrávamos, reservávamos um tempo para fazer programas só nós duas.”
Entre as boas lembranças de Márcia está a viagem que as duas fizeram em 2018. Foram 15 dias de muita alegria e diversão na Europa. Como parceira inseparável da filha escritora, as duas foram juntas para Paris, para o lançamento de um livro infantil. “Ter a minha mãe presente naquele momento foi muito importante para mim. Foram momentos mágicos, como se fosse uma viagem de despedida”, recorda Márcia.
Num certo momento, a filha Márcia passou a morar longe da casa materna. Com a gravidez dos gêmeos, Márcia voltou para Porto Alegre e alterou a rotina de Tânia a partir do sexto mês de gestação. Nos três meses restantes, uma espera cheia de alegrias e bons momentos. De alguma maneira, Tânia ficou grávida junto com a filha e as duas iam juntas para todos os lugares. Tânia, Francisco, Márcia e o marido Antônio fizeram até uma viagem aos Estados Unidos para compra do enxoval. Com o celebrado nascimento de Carlos Henrique e Arthur, foram mais três meses com a dedicada avó Tânia ajudando nos cuidados com os meninos.
A convivência de Tânia com a neta Martina foi mais intensa e também muito carinhosa. É que Martina também morava em Porto Alegre. As duas sempre saíam para passeios nos centros comerciais. Essas ocasiões eram sempre tempo para que Tânia comprasse um presentinho para a neta e as duas fizessem lanches saborosos juntas.
Enquanto os netos cresciam, Tânia foi uma avó presente. “Uma presença sem impor nada, sem impor presença ou qualquer outra coisa na maneira como os filhos tratavam os netos. Ela e o meu pai sempre estiveram presentes dando apoio naquilo que fosse necessário, sem impor nada”, conta orgulhosa a filha Márcia.
A primeira atuação profissional de Tânia foi como advogada. Trabalhou junto com o pai e a mãe, que também eram advogados, em uma imobiliária da família. Um tempo depois “seguiu o sonho dela de se tornar psicóloga”.
Para realizar seu sonho, Tânia precisou enfrentar muitos preconceitos que havia na época em relação à psicologia, vista “como coisa de louco e coisa assim”. Determinada, ela venceu as resistências, inclusive entre as pessoas mais velhas da família, e começou a exercer a profissão. Apaixonada pela área, sempre buscava cursos de aperfeiçoamento. Chegou inclusive a fazer alguns voltados para abordagens holísticas.
Márcia destaca que um dos traços marcantes da personalidade da mãe era “a vontade de ajudar e amparar o outro”. Como psicóloga, trabalhou em diversas instituições no acompanhamento inclusive de idosos. Muito generosa e seguindo seus princípios de vida, foram muitos os pacientes que atendeu sem cobrar nada ou com um valor de honorários bem mais em conta. O certo é que, por meio de um olhar atento e da escuta, pode cuidar da saúde mental daqueles que precisavam de tratamento e não podiam pagar.
Sempre com uma boa energia, Tânia buscava dar apoio emocional a quem estava perto. Fazia isso por uma palavra amiga, com mensagens bonitas que enviava ou compartilhando conteúdos informativos nos grupos de rede social dos quais participava.
Nos momentos de tempo livre, Tânia gostava de assistir filmes juntamente com Francisco. A leitura e os momentos de estudo também eram uma constante. Sempre na companhia do cãozinho “Guri”, que estava por perto e com quem frequentemente saía para caminhar na vizinhança de casa.
Provavelmente devido às origens italianas, Tânia apreciava uma boa comida. E comia bastante aquilo de que gostava. Apreciava muito as massas com molho branco ou vermelho, não importando se fosse um macarrão ou uma lasanha, por exemplo. Quando precisava ir para a cozinha e preparar as refeições, ela não era dessas cozinheiras de mão cheia e, na verdade, não gostava muito de cozinhar. Contudo, na dimensão amorosa da relação, para Márcia “ela fazia a melhor comida do mundo”.
Uma outra recorrência que decorria daí é que Tânia sempre estava preocupada com o próprio peso por se achar gorda. Ela sempre buscava fazer dietas e buscou estratégias para se manter saudável e bonita. “Ela nos ensinou que cuidar da sua saúde e cuidar da sua beleza é muito importante para a autoestima”, recorda com gratidão a filha Márcia.
No dia a dia, Tania cuidava para que as refeições fossem bastante nutritivas e diversificadas, com o prato sendo composto por uma carne, uma verdura, legumes, arroz e feijão, hábito que foi herdado pelos filhos e repassado aos netos. Nos finais de semana a dieta era mais livre com massas e churrascos preparados pelo esposo Francisco.
Se é que seja possível fazer uma espécie de resumo, talvez as características mais marcantes de Tânia tenham sido o fato de ela gostar de tudo e de todas as pessoas. Na perspectiva dela, “o mundo era de cores, era vibrante, era de vida”.
Tânia segue viva, nas lembranças guardadas afetuosamente por Márcia dos gestos e das ações de sua “melhor amiga” que continuam a acontecer no prosseguimento de sua existência. No hábito alimentar saudável dos netos Carlos Henrique e Arthur, que apreciam a comida simples e nutritiva do dia a dia como aprenderam com a avó e depois com a mãe.
O esposo também foi vítima da Covid-19. Para conhecer um pouco da história dele acesse a homenagem a Francisco Carlos Olendzki Reis neste Memorial.
Tânia nasceu em Porto Alegre (RS) e faleceu em Porto Alegre (RS), aos 67 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Tânia, Márcia Devincenzi Reis Terra. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Fabiana Colturato Aidar e moderado por Ana Macarini em 15 de dezembro de 2023.