1934 - 2021
A vaidosa e risonha chefe de cozinha que encantava os netos e filhos, de sangue ou de coração, com deliciosas receitas.
Todo mundo sabe o que é uma casa de avó. Agora... imagina morar na casa da avó e ter como avó Dona Thereza, para quem os netos eram a razão da alegria. É o que conta esta história. A cada um que nascia, ela dizia que era mais uma benção em sua vida.
Simone, Mônica, Débora e Tatiana foram netos que tiveram o privilégio de morar com a avó. Filhas de Yuliko e Luiz Carlos, um dos filhos de Thereza, dividiram por um bom tempo a mesma morada. Na vizinhança, moravam Eduardo, Thiago e Felipe, outros três netos que também acabavam passando a tarde com a avó.
Por um tempo a família morou numa vila no bairro das Perdizes, em São Paulo. Um conjunto de casas construídas de modo a deixar a rua com apenas uma saída. Ambiente que proporcionou convivência e muitos momentos felizes para a família de Dona Thereza e os amigos da vizinhança.
O trabalho de Dona Thereza era mais um ingrediente para torná-la a avó perfeita. De manhã, ela trabalhava como Chefe de Cozinha num restaurante ali mesmo nas Perdizes; essa lida na cozinha perdurou por um longo tempo, até se aposentar. Além disso, na época do Natal e Ano Novo, Thereza preparava cestas lindas, sortidas e saborosas a pedido de vizinhos e amigos da família, e aproveitava para ter uma renda extra. Claro que parte do que ganhava era para comprar presentes e lembranças para os queridos netos.
Depois de sair do restaurante, passava a tarde com os netos, com os amigos dos netos e com quem mais chegasse. Se alguém quisesse comer alguma coisa, era só pedir que ela providenciava. Incontáveis os bolos de chocolate, as travessas de arroz doce e as panelas de pipoca que ela serviu durante todo o tempo de convivência.
Em casa, a cozinha era um lugar de autoridade de Dona Thereza. Sempre atenta a tudo, ela até aceitava ajuda, desde que o seu ou a sua ajudante respeitasse o combinado de que “eu quero que você faça só isso. O restante eu faço”. Era desse jeito que, costumeiramente, ela coordenava os trabalhos de preparação das refeições, e o resultado do tempo que ela passava na cozinha eram delícias que todos saboreavam com prazer.
Quando era dia de aniversário de um de seus netos, a festa estava garantida. Doces, salgados e bolos eram por conta dela. Os amigos dos netos, que também a chamavam de vó, muitas vezes ganhavam uma festa preparada por Dona Thereza. Em junho e julho, época das festas juninas, era também ela a responsável pela preparação de caldos, canjica e muitas outras guloseimas para a festança. O certo é que, como conta a neta Simone, “praticamente todo final de semana era uma festa”, sempre com o toque de sabor dado pela avó.
Um fato curioso é que, como a casa era sempre muito movimentada, Dona Thereza tinha dificuldade de chamar a todos pelo nome. Para evitar saia justa e se desobrigar de guardar tantos nomes, a estratégia dela era chamar a todos de “meu filho”, “minha filha”, “meu neto ou "minha “neta”. É que além dos netos de verdade, no coração de Thereza sempre cabia mais um afeto e assim ela colecionava filhos e netos.
Na juventude dos netos, chegou o tempo de baladas e namoros. Por seus modos e sua educação, ela ficava incomodada quando alguém chegava mais tarde. Na visão de Dona Thereza, era importante “primeiro estudar, para trabalhar, ser feliz e não depender de ninguém”. Contudo, o coração amoroso da mulher que a todos acolhia, acabava produzindo saborosos cafés da manhã para os amigos dos netos que dormiam em sua casa após as baladas. Quando todos estavam sentados à mesa, gostava de participar da conversa e antes do final do café já convidava para que ficassem para o almoço.
A generosidade de Tetê, apelido carinhoso de Thereza, era gigante. Sem se importar se a pessoa era ou não da família, estava sempre disposta a ajudar. Se o caso era de ajuda financeira, ela colaborava; se fosse de conselho, lá estava ela com seus ensinamentos; se o necessário fosse a ajuda em alguma tarefa, ela sempre se dizia presente. Com isso, colecionou muitos amigos.
A grande amiga de Thereza, que também era amiga da família, foi “Tia Dega”, vizinha e dona do restaurante onde ela trabalhava. Amizade que também brotou da generosidade de Dona Thereza e surgiu com a ajuda que ela deu à família de Tia Dega quando estavam iniciando as atividades do restaurante.
Outra marca de Tetê era o sorriso, definido pela neta Simone como “fora de série”. A neta explica que o mundo podia estar caindo e lá estava a avó com seu sorriso, um abraço caloroso e palavras que confortavam, amparavam e levantavam o astral de qualquer um. Vasculhando a memória, Simone afirma que não tem lembrança de nenhuma situação em que viu a avó chorar.
Vaidosa, Dona Thereza gostava de pintar o cabelo em tons avermelhados, “tipo ruivo” ou castanho-escuro, lembrando a cor do chocolate, conta Simone. Nas mãos, nunca descuidava das unhas que semanalmente recebiam ao menos uma camada de base para dar um leve brilho a elas. Noutras vezes gostava também de cores fortes e o vermelho era uma de suas prediletas. O cabelo sempre bem cortado, no estilo Chanel, emoldurava seu rosto e seu sorriso.
O jeito vaidoso de Thereza fazia com que um de seus passeios preferidos fosse ir a algum centro comercial para almoçar ou comprar suas roupas. Entre as particularidades de seu figurino estavam os lenços. Thereza gostava muito de usar lencinhos amarrados no pescoço.
Na memória afetuosa de Simone, a lembrança mais preciosa é a do abraço da avó. Um acalento macio e quente que aconchegava. Na hora de assistir televisão, o colo de Dona Thereza era o travesseiro predileto dela, que, de vez em quando, vinha acompanhado de um afago nos cabelos.
Dona Thereza segue viva na habilidade para cozinhar da bisneta Isabela. Nos lenços que usava no pescoço hoje guardados com carinho. Nas lembranças de Simone dos sabores e afetos dos tempos de convivência com a avó, que de tão vó, era uma espécie de mãe.
Thereza nasceu em Penápolis (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 86 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Thereza, Simone Udo Junqueira. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 11 de agosto de 2022.