1932 - 2020
Uma mulher que chegou a quebrar uma tradição com seu caruru de Cosme e Damião.
Pense numa homenagem gostosa... daquelas com gostinho de comida baiana das boas. É isso que você vai experimentar agora com os relatos feitos pela neta Camila ao contar um pouquinho sobre sua avó Valdelice, ou simplesmente Val, para os mais chegados:
Cozinheira de mão-cheia, os pratos típicos da culinária baiana eram sua especialidade. E não era um simples hobby, era um dom culinário com o qual Val agradava a família e agregava todos.
Mulher forte, soube como superar a perda precoce do primogênito e do marido. Sempre que podia, ia à capital para visitar os parentes e amava recebê-los em sua casa em Santo Antônio de Jesus, a pouco menos de 200 km de Salvador. A relação com toda a família sempre foi muito próxima; a bisneta Catarine, por exemplo, ligava pra ela praticamente todos os dias e Val tinha um xodó especial pelos bisnetos também, amava as crianças.
A neta conta que, apesar da família ser presente e de estarem sempre em contato, ela se queixava que deveriam ligar mais vezes. Esse hábito soava engraçado, pois estavam todos sempre ali para ela.
Nas tradições da Bahia, que eram seguidas à risca por dona Val, no dia de Cosme e Damião, aqueles que creem devem fazer uma oferenda: um "caruru de promessa" ou "caruru dos sete meninos" e oferecer para sete meninos (não podem ser meninas). Só que, num certo setembro, um dos meninos faltou e ela colocou a neta Camila no grupo que receberia a iguaria.
"Foi uma briga, porque muita gente discordou, mas ela bateu o pé firme e disse que eu iria participar sim. Ela quebrou as regras, nós quebramos a tradição", conta a neta sorrindo ao confidenciar que essa é uma história que ela nunca irá esquecer, e revela: "Eu brincava, dizendo que Cosme e Damião tinham raiva de mim por isso".
Oferecer caruru é partilhar afeto. A comida calorosa vem recheada de simbologias como pedidos de saúde, prosperidade e fartura, assim como o sonho de dona Val para os netos: vê-los encaminhados e trabalhando.
Dar caruru para muitos é atrair alegria e renovação, assim como deve ser visto o legado deixado por dona Val para os que ficaram com muita saudade, mas com memoráveis e felizes recordações.
Valdelice nasceu em Salvador (BA) e faleceu em Santo Antônio de Jesus (BA), aos 88 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Valdelice, Camila Ribeiro Lemos. Este texto foi apurado e escrito por Lígia Franzin, revisado por Ana Macarini e moderado por Rayane Urani em 6 de março de 2021.