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Valdice Arcanjo dos Santos

1935 - 2020

Comandou a família com amor e semeou a generosidade. Fez jus ao sobrenome e ajudou sem olhar a quem.

Na infância, Valdice aprendeu a ser adulta. Não foi uma escolha, mas sim a vida: para ajudar a família, o único caminho possível era a carvoaria. Quem diria que a produção agressiva do carvão faria de Val, no futuro, uma fonte de bondade? Afinal, diante de tudo o que via, como lapidar o altruísmo? Exatamente por isso: por tudo o que via.

Por não ter tido opção, Val batalhou para que os seus tivessem. Sabedoria de quem pelejou desde cedo para conseguir o básico. E para manter o básico no dia a dia, ela sabia, era uma luta constante. Para essa luta, juntou-se ao Miguel, companheiro, marido, porto seguro e escudeiro fiel.

Mas a vida não deu trégua para Valdice. Levou Miguel cedo, muito cedo. Da união rompida, deixou onze laços: Antonio, Marta, Cristina, Virginia, Rita, Sônia, Rita, Lázaro, Juvi, Gracinha e André. Criando todos sob a rédea curta, embora com respeito e honestidade, alcançou o posto de melhor mãe do mundo.

Não poderia ser diferente sob o título de avó e bisavó. Realizava a vontade de todos, sobretudo em dia de festa. (Ainda que uma única visita já era motivo de celebração!) Val comandava tudo, do almoço à sobremesa: feijão, macarrão, pirão de cozido, cocada. Ver os seus felizes era o que importava.

Mas como Val poderia se permitir a felicidade plena se muitos ainda sofriam com a falta de alimentação, de moradia, de afeto? Por isso, diante de um pedido anônimo, levava ao pé da letra a expressão: fazer o bem sem olhar a quem. “Quando ela partiu, descobrimos que ela ajudava muita gente! Val ajudava com remédio, com dinheiro, com conselho. Sempre dizia que se Deus deu a ela, por que não ajudar quem mais precisa?”, conta Rosa, uma das noras.

Para se nutrir de amor e esperança, Val sempre lia a Bíblia e ficava em silêncio, em reflexão e orando. Compartilhava sua fé em cada ato do dia a dia, mas também em comunhão no Salão do Reino. Ainda que chamada pelo diminutivo do seu nome, Val existia por inteiro: onde ia, fazia jus ao sobrenome, Arcanjo dos Santos.

Ainda que ausente, Val continua no coração de quem por ela foi tocado. A nora Rosa, em nome da família, declara: “Ela foi uma alma boa que fez sua passagem aqui na Terra e que deixou sementes e raízes. Ensinou a ter a alma livre e leve e que ‘fazer o bem não importa a quem’ é fazer o bem para nós mesmos. Obrigada por tudo”.

Valdice nasceu em Esplanada (BA) e faleceu em Salvador (BA), aos 85 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela nora de Valdice, Rosania Lacerda. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Carolina Margiotte Grohmann, revisado por Acácia Montagnolli e moderado por Rayane Urani em 2 de maio de 2021.