1950 - 2021
Transformava tecidos, espumas, linhas, pregos e madeiras nos estofados mais bonitos da cidade.
Valdo Martins. Em Ituberá, na Bahia, não tinha quem não o conhecesse. Fosse pelo seu ofício, na sua fábrica de estofados, pela sua vida religiosa, pelas caminhadas que sempre fazia aos domingos até a roça, ou mesmo nas atividades mais ordinárias do dia a dia: o ir e vir para o trabalho, por exemplo. Valdo era aquele tipo de pessoa compunha a paisagem da cidade.
Era muito fácil reconhecer aquele Pequeno Grande Homem, com bom condicionamento físico, usando camisa gola polo (ele tinha várias) e sempre na companhia da sua magrela, uma Monark vermelha barra circular, da qual nunca abriu mão, nem mesmo após uma cirurgia cardíaca.
Valdo era o que muitos poderiam denominar um homem reservado. Era de poucas, mas não de meias palavras. Seu silêncio falava muito: acolhia, impunha respeito, era tudo na justa medida. Com ele a convivência era essencial para assegurar boas prosas e arrancar os seus sorrisos mais genuínos. Estando em casa, alimentava sua fé assistindo às missas e aos programas da TV Aparecida. Sempre sentado ao direito do sofá, com o seu terço e sua bíblia, ficava ali atento, concentrado, até ser traído pelo sono. Nunca admitia os longos cochilos e ai de quem tentasse tirar o controle da sua mão!
Amava ouvir as músicas da jovem guarda. Não tinha predileção. Curtia todas as canções. Talvez algumas delas tenham-no ajudado a flechar o coração da Eunésia, a sua Téo, com quem nutriu uma história de 46 anos de muito amor. Foi um encontro de almas. Um amor verdadeiro. Juntos construíram o patrimônio mais valoroso, a sua família, uma rede de afetos, cujas manifestações nunca se limitaram a datas comemorativas ou ocasiões ditas especiais.
Sempre que tinha oportunidade, Valdo se reunia com os filhos, netos, genros e noras na Barra de Serinhaém. Navegavam o estuário em direção a esse cantinho especial do Baixo Sul da Bahia, onde também tinham um lar. Lá estreitavam os laços, viviam momentos que logo ampliavam a sua coleção de memórias e de onde saíam também as resenhas do pescador, que nos últimos tempos queria mais coordenar do que dominar as artes de pesca.
No seu chão de fábrica, entre tecidos das mais variadas cores, espumas de diferentes espessuras, linhas, pregos, tesouras, martelos e madeiras, produzia os estofados mais bonitos da cidade. Lá era a sua segunda casa. Era onde perdia a noção tempo, dando forma ao que embelezaria ambientes e ofereceria conforto aos seus clientes. Foi nesse espaço que Valdo transmitiu valores e ensinou o ofício para seus filhos, que em algum momento de suas vidas trabalharam por lá.
Nos últimos dois anos viveu algumas “pequenas grandes” alegrias da vida adulta. Em 2019 realizou o sonho de conhecer o Santuário da Padroeira do Brasil (ele era muito devoto de Nossa Senhora Aparecida!), e em 2020, celebrou a passagem do seu aniversário de 70 anos (pedido inusitado feito à família, que imediatamente se mobilizou para atender). Ele, que tanto gostava da casa cheia, das mesas fartas, da arte do encontro, independentemente do motivo, dessa vez queria a sua festa. Logo ele, que sempre evitava! E assim foi feito. No encontro intimista, apenas com seu núcleo familiar, sua vida foi celebrada. Seu sorriso expressava uma felicidade descomunal. Os registros não negam.
Na vida, Valdo sempre foi um guerreiro, mas precisou sair de cena. Foi brincar de eternidade. Os encontros do Terço dos Homens, as novenas de Santo André, e tantos outros espaços de convivência não serão mais os mesmos sem a sua presença física. Hoje, Valdo está longe dos olhos, mas segue dentro dos corações de toda a família Martins, dos amigos e vizinhos dos tempos da “Firestone”, dos afilhados, e de uma legião de admiradores da sua retidão de caráter, do seu bom humor, da sua caminhada religiosa, do seu amor e disciplina com o trabalho e da sua vida bem vivida.
Valdo nasceu em Ituberá (BA) e faleceu em Salvador (BA), aos 70 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Valdo, Elizeane da Silva Martins. Este texto foi apurado e escrito por Fabrício Nascimento da Cruz, revisado por Gabriela Carneiro e moderado por Rayane Urani em 13 de abril de 2021.