1952 - 2020
Na amorosidade de Vera, não havia espaço para censura sobre qualquer assunto.
Vera foi uma mulher com grande capacidade de adaptação às mudanças e demandas de seu tempo. E teve como norte a perspectiva de amar incondicionalmente.
A origem dessa postura era sua vivência religiosa. Católica fervorosa e devota de Nossa Senhora do Carmo, tinha a figura de Jesus como modelo, frisando sempre que ele sofreu por amor. Em suas orações, Vera sempre fazia pedidos e agradecimentos a Nossa Senhora, que chamava de “madrinha”. Nos últimos tempos, rezava diariamente pelas vítimas e familiares que perderam seus entes queridos, pedindo que Nossa Senhora do Carmo desse conforto a todos.
A frase “Amar é se doar até doer” tantas vezes dita por Vera, foi concretizada em muitas situações. Nos momentos em que percebia a necessidade de questionar algum comportamento de filhos e netos, por exemplo, lá estava ela com seus conselhos. Relembrava que é muito fácil dizer que se ama alguém e, contrariamente a isso ignorar, criticar ou falar mal, sem que a pessoa saiba.
Observadora, ao perceber que alguém estava mais calado e triste, Vera sempre tinha uma fala com conselho sábio, buscando orientar quem necessitasse. Educou os filhos dizendo que se em algum dia “você der bom dia a uma pessoa e ela não responder, persista. Ela pode estar em um dia difícil e é sempre importante continuar demonstrando atenção e carinho a todos, independentemente do que aconteça”.
Em síntese, a maneira de agir de Vera buscava acolher, compreender e adotar posição amorosa e de respeito. Estivesse ela no trabalho, na igreja ou no ambiente familiar sempre era do mesmo jeito. Ela podia até não concordar com a atitude da pessoa e ficar brava. Contudo com seu jeito sempre sereno e prudente, refletia e buscava encontrar um meio de colaborar e solucionar o que se passava.
A filha Alexsandra conta que ela e a mãe se falavam por telefone várias vezes por dia. Para fazer combinados e na busca de algum conselho sobre como agir em situações desafiadoras para a filha.
Com as irmãs, sobrinhos e sobrinhas, cunhadas e amigas da igreja, Vera também mantinha contatos telefônicos e presenciais frequentes. Ela sempre foi uma referência por seus ensinamentos. Após o falecimento, foram muitas as pessoas que fizeram comentários, tais como “ela foi um anjo em minha vida”, “ela me ajudou a superar desafios importantes”.
Por sua vez o genro José Oscar recorda que ela sempre apoiava o que considerava certo. Não importava quem estivesse envolvido na situação. Ele conta que em várias situações envolvendo os filhos e seus cônjuges, Vera se posicionou contrariamente a seus filhos. E justificava que estava agindo dessa forma porque a postura dos filhos não estava certa e não era aprovada pela mãe.
Alegre e, via de regra, com um sorriso tranquilo no rosto, nada abalava a alegria de Vera. Nem mesmo as dores que sentia em decorrência de uma artrite reumatoide comprometiam o seu bom humor.
Outro aspecto a ser destacado é que com ela não havia nenhum tipo de censura sobre qualquer assunto. Até mesmo em questões relacionadas à sexualidade dos filhos e netos — que para muitas mulheres de sua idade são uma espécie de tabu —, Vera participava e dava opiniões. Acolher os acontecimentos e ouvir aquele que estava na situação era sempre sua postura. Jamais foi moralista ou assumia o lugar de julgamento de quem quer que fosse. Ela considerava que todos precisavam aprender a lidar com a sexualidade e que, portanto, era necessário participar da educação deles.
Num tempo em que muitas mulheres optavam por cuidar apenas dos afazeres domésticos, foi funcionária pública concursada da Câmara Municipal de Olinda. Aposentou-se no cargo e depois disso aproveitou para curtir ainda mais a vida e a família.
Como gostava muito de viajar, conheceu diversas localidades, algumas vezes viajando sozinha e noutras ocasiões com familiares. Esteve em Salvador, Maceió, Natal, Curitiba, Blumenau, Fortaleza, Sergipe e até no Paraguai. As visitas às praias pernambucanas de Porto de Galinhas, Muro Alto, Praia dos Carneiros, Praia de Calhetas sempre estavam no planejamento dela. O último São João antes da Pandemia foi em Caruaru, Alto do Moura e Serra Negra, também em Pernambuco.
Com a aposentadoria, passava temporadas em Recife e em João Pessoa, na Paraíba. Assim mantinha convivência com o marido Carlos Alberto; os filhos Alexsandra e André Luiz; os netos Maria Eduarda, José Oscar, José Miguel e Mariana; e também com o genro José Oscar e a nora Flávia Santiago.
Gostava muito de cozinhar e ver a mesa cheia e farta. “Galinha Cabidela”, prato típico em que o molho é preparado com o sangue de frango, o bacalhau ao forno e os cozidos de verduras e legumes eram especialmente saborosos e apreciados pela família.
A avó era companheira dos passeios do neto mais novo, José Miguel, em suas idas à praia. Vera adorava estar perto do mar e muitas vezes, nos finais de tarde em que estava em João Pessoa, acompanhava o neto para banhos de mar ou mesmo passeios de bicicleta e patinete na orla.
O filho André Luiz, resume a sua experiência com a mãe como uma oportunidade de aprender a ser justo; respeitar as pessoas independentemente de cor, status, religião e sexualidade; amar a família; ser honesto acima de qualquer coisa. Com Vera entendeu a importância da fé em Deus e de amar e respeitar seus ensinamentos. Em suas orações sempre agradece por Deus ter dado a ele a oportunidade de conhecer “o ser humano mais perfeito desse mundo”.
Por sua vez, a filha Alexsandra afirma: “Se me der um caderno, as folhas seriam poucas para falar de minha mãe. Ela me fez conhecer o verdadeiro amor a Deus e aos outros”.
Um coqueiro, ligeiramente inclinado e repleto de cocos verdes à beira mar. Esta imagem representa muito bem a pessoa de Vera. Isto porque apesar da arrebentação das marés, nos momentos dos inevitáveis desafios de sua vida, ela seguiu firme. Às vezes até sentia um pouco e num exercício de resiliência e adaptação permitia a si mesma inclinar-se um pouco. Mas com as raízes de sua fé e princípios de vida, conseguiu permanecer como um coqueiro esguio e verde, produzindo cocos cheios de água saborosa e embelezando a paisagem com seu amor incondicional àqueles com quem convivia.
Vera nasceu em Olinda (PE) e faleceu em Recife (PE), aos 67 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha, pelo filho e pelo genro de Vera, Alexsandra Menezes de Mendonça, André Luiz Menezes do Nascimento, José Oscar de Mendonça Júnior . Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 6 de setembro de 2021.