1939 - 2020
Motorista de boas histórias, conhecia Belém como a palma de sua mão e não gostava de ver ninguém triste.
Um táxi, por favor. Bandeira 1. Destino: boas histórias com o taxista Victor Garcia.
Se ajeite no banco que a nossa viagem vai começar.
Seu Victor recebia os clientes com um bom dia, boa tarde, boa noite e "com o sorriso mais lindo do mundo”, como lembra a neta Camila, e também chamava todos de “meu filho" ou "minha filha”.
Nasceu na Ilha de Marajó. De infância difícil, sonhava viver a vida na cidade grande. O sonho virou realidade. Atravessou as águas dos rios marajoaras e, ainda criança, mudou-se para a capital: Belém. “Ele foi criado com o fruto da mais magra das palmeiras, como diz o poeta, o açaí: alimento da terra, que nutre a vida”, diz a neta Marina.
Quando jovem, era um verdadeiro atleta, jogou em vários times de futebol no Pará, foi centroavante no antigo Beneficente Avante Futebol Clube. A paixão pelo esporte era tanta que, em 2016, foi escolhido para carregar a tocha olímpica na passagem pela capital paraense. A emoção foi tanta que Vitão, como também era chamado, ficou muito feliz e várias camisetas com a sua foto foram feitas para homenageá-lo. Seus olhos viram e fizeram história.
Viúvo, pai de cinco filhos e cheio de netos seus ou de sangue, pois considerava muitos do fundo do coração. Era conhecido por tudo e por todos. Foi motorista de confiança de importantes figuras dirigentes de órgãos públicos; já na velhice, virou motorista de táxi com seu estilo único. Só usava calças de linho e camisas listradas e, é claro, seus óculos de sol. Os de lente, não usava, pois “dizia que enxergava muito bem, obrigado e que as lentes eram 'coisa de velho', arrancando sempre gargalhadas dos seus filhos”, conta Marina. Quando não estava fazendo uma viagem, estava jogando seu dominó no ponto da Praça da República.
Andando de carro, seja com os netos ou com seus passageiros pelas ruas da Cidade das Mangueiras, mostrava sempre a casa de ilustres personalidades locais. "Já falei para vocês que aqui mora o Dr. Fulano? Meu grande amigo! Uma vez, nós fomos pescar e...". Repetia a mesma história, que os netos já sabiam de cor, mas sempre faziam questão de ouvir pelos passeios em Belém, cidade que conhecia como a palma da mão.
Quando não estava trabalhando, estava em casa, até sumia lá dentro. Era certeiro achar Vitão na sua cadeira de balanço, lendo o jornal. Tinha um carinho enorme pela sua família, gostava de relembrar a infância dos filhos e netos. Dois meses antes de partir tinha ganhado seu primeiro bisneto. Estava todo orgulhoso e feliz, mostrando sempre as fotos do mais novo ente querido.
Sempre ia ao Mercado Ver-o-Peso para comprar o açaí e chegar de surpresa com os litros para presentear a família. Como também levando pães, cocadas e guloseimas para o café da tarde na casa de algum filho, ou ainda comprando CDs de músicas regionais do Pará para oferecer a alguém que elogiasse sua seleção de músicas tocadas, com muito orgulho, em seu carro. Fazia tudo isso sem esperar nada em troca. Não gostava de ver ninguém triste. “Gostava de ver as pessoas felizes a qualquer custo. Talvez por isso, sempre trazia à face um sorriso largo, sua marca registrada, juntamente com a mecha branca que lhe enfeitava o centro da cabeça”, relembra Marina.
Quando alguém da família ou algum amigo chegava em casa, era comum ouvir Vitão dizer: "Vai uma cervejinha?"; "Comprei aquele açaizinho"; "Sua avó fez uma comida que está uma beleza"; "Ooooh, minha filha, lhe amo". Ou saía pela porta da cozinha, com sua sunga vermelha, uma cerveja Tijuquinha na mão e preocupado se estava faltando algo para ver todos ao seu redor felizes.
Além do grande coração, Vitão também esbanjava uma boa saúde a ponto de espantar os médicos que, esporadicamente, o examinavam. Resiliência e esperança são palavras sinônimas para ele. Sofreu incidentes graves que poderiam lhe deixar graves sequelas, mas saiu ileso de todos, graças a sua fé. Sempre com um terço na mão, gostava de ir à missa. Passou a tradição do Círio de Nazaré, tradicional festa religiosa dos paraenses, para as gerações de sua família. Em outubro, sempre distribuía, aos montes, as famosas fitinhas para fazer os três pedidos à Nossa Senhora de Nazaré. Ele também tinha a simbologia da pimenta e do olho grego, possuía vários espalhados pela casa.
Chegamos ao destino final, a viagem de táxi terminou. “A última vez que eu o vi, foi quando me levou ao aeroporto, sempre contando histórias e mostrando os locais em que já morou em Belém. Se a gente soubesse que aquele seria o último abraço e o último carinho, talvez quisesse eternizar o momento”, relembra a neta Camila.
Victor nasceu em Salvaterra (PA) e faleceu em Belém (PA), aos 80 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelas netas de Victor, Camila Rita Vicente Marceliano e Marina. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Mateus Teixeira, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 1 de agosto de 2020.