1951 - 2020
Gostava de se comunicar e ser prestativo, não só com a família, mas com desconhecidos também.
Esta é uma carta aberta de Samuel, filho de Vilmar, ao seu amado pai:
Meu pai foi um exemplo para minha vida, para meu irmão caçula e para minha mãe. A influência que ele exerceu sobre a nossa formação foi mostrar que a família está sempre em primeiro lugar. As melhores recordações de minha infância são ao lado do meu pai. Mesmo sem muitos recursos financeiros, ele conseguia me levar a lugares que qualquer criança da minha idade desejaria conhecer e experimentar.
Foi ele que me influenciou a gostar de ler, mesmo sendo pouco letrado. Também me incentivava a assistir a filmes, ir ao cinema, visitar museus. Certamente isso fez com que eu me interessasse pelos estudos e pela cultura de modo geral, algo que cultivo até hoje.
Sua solicitude para com os outros e a lealdade nas amizades também foram incentivo para que eu agisse da mesma forma. Ele se doava às pessoas, e punha as vontades dos outros à frente, mesmo com quem não era parente. Era seu prazer, seu objetivo de vida. Primos e familiares mais distantes o elogiam até hoje pelas experiências que tiveram com ele na infância, e que não foram proporcionadas nem por seus próprios pais.
Nunca foi de guardar nada nem de desejar grandezas para si, somente para a família e para as pessoas que precisavam. Por diversas vezes deixou de ganhar dinheiro para atender a pessoas que necessitavam de um atendimento médico. Como tinha conhecimentos dentro do hospital, facilitava o acesso delas.
Acredito que esse desprendimento era sua característica mais marcante. Devido a ela, me tornei uma pessoa melhor, menos egoísta, mais receptiva, e aprendi a ser grato pelas coisas simples da vida. Ele me dizia quase diariamente: "Samuel, seja grato por tudo, todos os dias!".
Meu pai se doava tanto que até mesmo o seu último dinheirinho guardado na carteira ele me deu antes da sua última internação, para nos ajudar enquanto estivesse ausente.
Graças a Deus e ao meu pai pude ter meu filho Diego nos braços. Minha esposa teve um aborto espontâneo em 2017. A partir da perda repentina descobriu um cisto e um mioma enorme. Na ocasião choramos muito porque o valor do tratamento de reprodução assistida era muito alto. Meu pai correu em todos os diretores de hospital que conhecia e conseguiu uma vaga para ela fazer uma cirurgia. Três meses depois ela engravidou novamente, e meu pai providenciou todas as consultas de pré-natal, já que era uma gravidez de risco. Meu filho nasceu saudável, em janeiro de 2020, bem no início da pandemia. A chegada do neto foi motivo de grande felicidade e orgulho para meu pai.
Também teve a alegria de ver nascer a Marina, filha do meu irmão Daniel, o caçula. Ela nasceu quatro meses depois do Diego. Exatamente no dia em que ela chegou, tive que me mudar para Goiás por motivos de desemprego e questões financeiras. O nascimento (prematuro) da netinha aliviou um pouco o baque da minha partida.
Minha mãe teve um grande companheiro de vida. Foram casados por quarenta e seis anos. Ela passou pelo câncer de mama duas vezes, e em todos os momentos meu pai foi seu grande provedor e cuidador.
Nasci com uma doença rara, chamada megacólon congênito, e tive infecção generalizada em decorrência das constantes operações. Meu pai e minha mãe permaneceram mais de três meses dentro de um hospital sem se alimentar ou dormir direito para poder ficar perto de mim. Emagreceram muito, mas tenho certeza de que toda essa difícil experiência proporcionou um grande amadurecimento da relação entre os dois.
Ele trabalhava como autônomo e despachante nos últimos anos. Foi funcionário público por muito tempo e já havia trabalhado com vendas. Era uma pessoa muito ativa, daquelas que todos na cidade conheciam, pois dedicava tempo e atenção às pessoas. Mesmo quando estava com pressa, parava para cumprimentar e conversar, sempre preocupado com as necessidades dos outros.
Gostava muito de assistir a filmes e aprender coisas novas. Tive o privilégio de ensiná-lo a mexer num celular, por exemplo, e a acessar canais de streaming. Outra coisa de que gostava muito era das festas de família. Comparecia a todas. Era o último a sair e ainda limpava o salão.
Era muito próximo da minha esposa, Mirian. Os dois se identificavam como pai e filha. Ele sempre ligava para ela, perguntando se precisava de algo, para lhe fazer as vontades. Conversavam longamente e tinham uma intimidade que nem com o pai ela chegou a ter. Acompanhou a internaçao dela e muitas vezes as enfermeiras e os médicos achavam que ele era realmente o pai dela.
É duro não ter o senhor mais ao meu lado, paizinho. Sempre vou me lembrar, com saudades, de suas palavras, de seus bordões e até mesmo das suas pequenas manias. E colocarei sempre em prática o seu lema, ouvindo sua voz: "Agradeça por tudo, sempre agradeça".
Vilmar nasceu em Niterói (RJ) e faleceu em Niterói (RJ), aos 69 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pelo filho de Vilmar, Samuel Ribeiro da Silva. Este tributo foi apurado por Ana Macarini, editado por Ana Macarini, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Rayane Urani em 27 de julho de 2021.