1982 - 2021
Vaidosa, amava ser maquiada e fazer as unhas; depois, ninava suas bonecas como se fossem bebês de verdade.
Carta aberta de Ricardo à sua amada tia Wania:
Wania nasceu com necessidades específicas. Era uma pessoa com Síndrome de Down, e desde os primeiros dias nesse mundo lutou por sua vida. Foi a última filha de dez irmãos, a caçula que nos ensinou que o amor não tem forma, ele simplesmente existe, transforma e traz paz.
Com o falecimento da mãe, Wania, aos 11 anos, foi cuidada pela irmã Madalena. E nesse mesmo ano eu nasci, formando um novo núcleo familiar de três. Passei a vida tendo a sua companhia, ela foi a irmã que nunca tive, a cumplice das minhas peripécias, a exemplo de quando misturamos vitamina de abacate com sabão em pó ou de como ela se fazia presente nas brincadeiras, sendo aluna em uma escolinha de faz de conta, sendo o público que me aplaudia ou a confidente dos meus choros da adolescência.
Ela não sabia ler ou escrever, mas rabiscava suas histórias, do seu jeito particular. Gostava de desenhar, pintar, ninar suas bonecas e dançar. Ah, sua alegria conquistava a todos a sua volta. Era bonito de se ver!
Era apaixonada por crianças, gostava de ir ao supermercado fazer compras com a minha mãe, de participar de churrascos aos fim de semana e conversava com qualquer um na rua, mesmo que fossem estranhos. Ria muito, ria de tudo; na verdade, e para equilibrar, reclamava um pouco. Sua inteligência era admirável.
Sair de casa e não tê-la mais "debaixo das minhas asas" foi difícil, mas ela sempre esteve nos meus planos e projetos. Todos os dias, nos últimos cinco anos nos falamos por telefone, e quando ia visitá-las, colocava músicas para que ela dançasse, ela amava. Lembro que eu a acordava cedo, ambos com preguiça. Ela levantava e começava a dobrar os lençóis por cima de mim, como quem dizia: Ah, se me acordou, vai levantar também!
Ela gostava dos meus bolos e pães, adorava vir na minha casa, assistir na "televisão grandona", como costumávamos chamar. Depois do banho, eu arrumava os seus cabelos e a maquiava. Minha mãe arrumava suas unhas, e prontamente, ela se exibia no espelho, se achando muito bonita. E era, tão linda, tão amorosa, tão vaidosa!
Wania foi a luz das nossas vidas, o amor personificado no nosso mundo, "o ser mais bonito que eu tive a sorte de conhecer". Sei que a saudade é um lugar que só alcança quem ama, nós amamos, fomos amados por ela e tenho convicção e esperança que um dia estaremos juntos em algum lugar.
Wania nasceu em Padre Bernardo (GO) e faleceu em Brasília (DF), aos 38 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pelo sobrinho de Wania, Ricardo Henrique Vaz. Este tributo foi apurado por Rayane Urani, editado por Leiana Isis de Oliveira, revisado por Ana Macarini e moderado por Ana Macarini em 29 de maio de 2021.