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João Bosco da Silva

1951 - 2020

Nas férias, o parque de diversões e as viagens para a roça eram por conta dele.

Um homem “das antigas” que fazia questão de que filhos e sobrinhos tomassem a bênção. Não era muito de expressar carinho por meio de afagos e abraços, tampouco era afeito a contatos físicos. Em alguns momentos chegava a ser um pouco intrigante, uma vez que era difícil imaginar o que ele estava pensando. A seriedade era sua marca e, mesmo sendo um homem de poucas palavras, encontrava outras maneiras de expressar suas ideias e sentimentos. Por meio do sorriso sincero e em pequenos gestos e atitudes "demonstrava o coração mole" que ele abrigava no peito. Essa era a personalidade de João Bosco, na visão da afilhada Deborah.

Como pai, priorizava o sustento da família e para garanti-lo trabalhou muito como mestre de obras. Acordava bem cedo, e enquanto estava se aprontando para ir para o trabalho, ligava o rádio e ouvia música caipira. Gostava demais quando tocava Jacó e Jacozinho. Vindo do interior, precisou se esforçar bastante para estruturar a vida na capital. Sempre disposto para o trabalho, gostava do que fazia e foi considerado um bom profissional.

Atento e cuidadoso, procurava estar perto das pessoas da família sendo solícito com quem precisasse de ajuda. Um exemplo foi o que aconteceu com a família de Deborah, que, diante da proximidade de João, o escolheu para ser padrinho de batismo dela.

Em um dos períodos de suas atividades como mestre de obras, surgiu a possibilidade de trabalhar em um parque de Belo Horizonte. Pelo que se recorda, o padrinho fazia as bases de cimento sobre as quais eram montados os brinquedos. Assim, além do salário, ganhava ingressos para o parque. Sempre que podia levava os filhos, Daniel e Denielle, e Deborah e seus irmãos para um passeio naquele lugar.

A infância regrada da sobrinha ganhou cores graças à atenção carinhosa de João Bosco, que proporcionou a ela momentos de encantamento e recreação. O ambiente colorido dos brinquedos do parque de diversões enche de cores a memória da afilhada. Exatamente por meio de sua profissão e da vontade de ajudar, João Bosco, “um tio torto” como define a sobrinha Deborah, tornou-se “guache na vida”; como a tinta que dá vida aos desenhos infantis.

Outros momentos inesquecíveis eram os passeios que faziam juntos à Córrego Fundo, perto de Oliveira, Minas Gerais. Quando estava de férias do trabalho, João sempre viajava para “a roça”, como dizem os mineiros. Ele aproveitava a visita aos pais e levava consigo a criançada. Eram momentos de contato com o ambiente rural e de saborear as quitandas da mãe, Dona Antônia. Café com rapadura e aquele angu feito com fubá de moinho d’água. Na hora do banho, água quente na serpentina; desfrute total para seu João e a meninada da capital.

Ao lado de dona Maria de Fátima Archanjo, sua esposa, a quem sempre chamava de “Bem”, João Bosco viveu momentos felizes e enfrentou os inevitáveis desafios da vida. Devotos de Nossa Senhora de Fátima, os dois sempre iam à missa juntos. Como gostava muito de verdura de folha, dona Maria dizia que ele gostava de “comer mato”. Sua sacola de compras sempre voltava do mercado recheada de couve, almeirão e mostarda para que ela preparasse. Não podia faltar.

Na cidade onde os maiores times são Atlético e Cruzeiro, João Bosco “parecia torcer contra o Cruzeiro, só para irritar todos da casa. Ele gostava de ver a gente irritada, ficava sorrindo enquanto a gente xingava”. Se tinha jogo da seleção brasileira de futebol, ele também torcia contra só para aperrear todo mundo. Em outras palavras, nesses momentos, a cor da camisa pouco importava para João Bosco, o importante era ser do contra.

Uma pessoa alegre e com um sorriso sempre estampado no rosto, este é o João guardado na memória da afilhada Deborah. Homem bondoso, que amava a família e, com seu jeito tão peculiar, foi marcante na vida dos que conviveram com ele.

João nasceu em Morro do Ferro (MG) e faleceu em Belo Horizonte BH, aos 69 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela afilhada de João, Deborah Arcanjo Cruz. Este texto foi apurado e escrito por Ernesto Marques, revisado por Acácia Montagnolli e moderado por Rayane Urani em 12 de maio de 2021.