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José Jacob de Carvalho

1961 - 2021

Solidário e generoso, sua aposta era na palavra e na força de suas relações.

Era conhecido como Zezin do Crediário. “Na Paraíba, quando o sujeito é novo é Zé, quando adulto é José, e quando envelhece vira Zezin”, explica Darlly, filho do comerciante de Cajazeiras.

Zezin passou parte considerável de sua vida na sua cidade natal, e sua trajetória foi marcada pela perseverança, pelo respeito e pela solidariedade.

Muito requisitado por uma clientela fiel, Seu Zezin conduzia o trabalho orientado pela empatia e por um raro senso de justiça. Confiante na sua natureza sistemática para gerir o comércio, vendia fiado a quem necessitava, sem se apegar às dívidas. Nunca se arrependeu disso. Visionário e à frente de seu tempo, começou a trabalhar aos oito anos de idade, depois de pedir uma calça jeans ao pai e receber um direto e inexplicado “não” como resposta. Impulsionado por desejos inegociáveis, diante da frustrante devolutiva decidiu sair às ruas acompanhado por um carrinho de mão e alguns produtos batendo de porta em porta para perguntar se alguém se interessava por seu serviço de limpeza de muros. E foi desse modo arrojado, movimentando seu carrinho e a confiança da comunidade, que sua aventura empreendedora teve início e prosperou.

O lado expansivo e divertido com os amigos contrastava com o rigor dentro de casa, no trato com a família. Seu Zezin teve seis filhos e sete netos. Era casado com Dona Francisca, a quem chamava carinhosamente de "nêga", com quem teve uma união de mais de 30 anos.

Na orientação aos filhos, esforçava-se para poupá-los dos embaraços que ele próprio havia enfrentado na mocidade, reconhecendo o sofrimento que algumas de suas escolhas lhe renderam. Seu lema era: “Sábio é aquele que aprende com os erros dos outros”.

Mantinha o estilo reservado do “pai raiz”, zelando pela tradição das bênçãos diárias a cada encontro, assim como pelo uso do pronome de tratamento “senhor”, que via como sinal de deferência. Ainda que aparentemente antiquados, tais costumes, para ele, eram indícios de que sua posição de autoridade ante os filhos estava resguardada, bem como sua função primordial de guiá-los e protegê-los.

A dureza dos gestos, no entanto, nunca foi tomada como falta de cuidado ou amor. Fruto de uma linhagem “raçuda” de homens rígidos, uma marca que os mais jovens da família também carregam, o tempo e as experiências foram abrindo as sendas para paisagens menos áridas e, assim, a forma bruta assumida como pai foi se desmanchando na figura de um avô afetuoso que se deixava dobrar por qualquer sorriso, qualquer pedido e qualquer denguice dos netos. O encantamento produzido pelo laço com as crianças, especialmente com as meninas da família, a quem não media esforços para agradar, deixou de presente aos filhos o reflexo de sua faceta mais sensível.

As palavras de Darlly são a prova de que Seu Zezin - lembrado por ele como o maior mentor e herói - alcançou a meta pretendida com aquele seu velho lema: “Meu propósito é tentar ser igual ou melhor do que meu pai, nunca pior. Quero estar à altura do legado que ele deixou, à altura de sua honra.”

José nasceu em Cajazeiras (PB) e faleceu em Cajazeiras (PB), aos 60 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo filho de José, Darlly Jacob de Carvalho. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Luciana Arbeli Bernardes, revisado por Paula Ledo dos Santos e moderado por Rayane Urani em 11 de maio de 2021.