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Luiz Soares Sobrinho

1938 - 2021

Seu maior propósito era levar felicidade ao próximo; assim vivia para apreciar a vida, amar e ser feliz.

Luiz nasceu no sertão do Rio Grande do Norte e com muita dificuldade conseguiu construir uma carreira digna; nunca reclamava da vida e sempre teve muita gratidão. Contava que trabalhava na roça com seu pai, que saía pela manhã e que andava bastante até chegar no roçado. Algumas vezes, no caminho, o pote de água que ele levava acabava caindo e eles passavam o dia com sede até chegar em casa. Entretanto, ele não contava essa história com raiva: em seu semblante era perceptível o orgulho por sua trajetória, como se revivesse tudo aquilo novamente.

Ele foi casado com Miriam e sempre foi muito dedicado a ela. Os dois eram muito parceiros e, até quando preparavam iguarias como canjica e pamonha, eles sempre faziam juntos. Tiveram as filhas Anne e Tatiana e ele foi para elas um pai extremamente protetor e amigo. Aos domingos, os almoços juntos eram sagrados. Todos iam para a granja de sua filha e faziam churrasco ou então almoçavam em sua casa. Nesses encontros, era costume se comer uma galinha caipira e as crianças brincarem muito, tornando o dia bem agradável.

Eles tiveram quatro netos: Ana Luiza, Pedro, Raul e Márcio e, para os dois primeiros ele foi o pai e os criou com todo o carinho desse mundo. Ana Luiza conta: “Ele se preocupava muito com os nossos estudos, me ajudava a estudar matemática. Ele sempre fez questão de pagar a escola de todos. Quando ia à feira, na volta sempre trazia para mim uma sacolinha de castanha de caju, pois sabia que eu gostava muito. Ele era assim com todos, sabia o gosto de cada um”. O seu grande sonho era acompanhar a formatura dos netos e vê-los trabalhando.

Homem íntegro, de boa índole, dedicado à família, adorava futebol e lambada. Extremamente organizado em todos os aspectos da vida.

Sargento da Marinha, ele não aguentava ficar parado. Quando se aposentou, começou a trabalhar na loja de móveis como entregador e montador. Era muito querido por todos os colegas de trabalho! Depois que saiu de lá, ficava na mercearia da rua, ajudando o seu amigo nas vendas. Foi ativo até o último dia que esteve em casa.

Nas horas vagas gostava de assistir a jogos de quaisquer esportes e Ana Luiza lhe fazia companhia para assistir ao vôlei, mas ele sempre sabia de todas partidas que passariam na televisão.

Luiz não media esforços para realizar os sonhos dos netos e, raramente, dizia não a qualquer pedido deles. Se tivesse relação com estudos, a palavra não, não existia. Ana Luiza conta que quis ser veterinária e, para isso, passou numa universidade em outro estado. Apesar dos dois serem muito apegados, ele não querer que ela se mudasse por medo das mazelas do mundo e de não estar perto para orientá-la, fez tudo que estava ao seu alcance para que ela se formasse.

Ela se recorda com carinho: “Todas as vezes que eu vinha de férias ou passar os finais de semana, ele sempre me abraçava e dizia: “Cuidado na vida! Estude para acabar rápido e voltar para cá'. Ele não era muito de abraços, talvez pelo tempo na Marinha ou pela infância dura, mas nessas ocasiões sempre me abraçava e me apertava três vezes”.

E continua contando: “Tenho inúmeras lembranças de infância com eles: quando me ensinou a andar de bicicleta e no auxílio às lições de matemática. Entretanto, a recordação mais preciosa que guardo é de quando chegava em sua casa e ele automaticamente abria um lindo sorriso que demonstrava toda a sua felicidade!”

Por volta dos dez anos, assistia muito aos programas do SBT que passavam sempre as propagandas do Baú da Felicidade. Na minha inocência, pensava bastar um telefonema para eles que a empresa me enviava um computador. Durante algum tempo, ligava diariamente para lá, acabei inclusive ficando amiga da Mônica, que era responsável pelo atendimento ao cliente. Quando a conta do telefone chegou, meu avô percebeu que o valor estava bem mais alto do que o normal e que, várias vezes, aparecia o mesmo número discado. Então, ele perguntou quem havia feito aquelas ligações, mas por não compreender direito o funcionamento das coisas, não assumi. Por isso, ele telefonou para aquele número desconhecido até que descobriu que se tratava do Baú da Felicidade.

Logo, me perguntou se eu quem fez as ligações. Prontamente disse que sim, que telefonei para ganhar um computador. Então, ele me explicou em uma conversa simples e cuidadosa que não era daquele jeito, que era necessário comprar o produto. Algum tempo depois, ele me levou até a loja para comprarmos o computador”.

Ele adorava cachorros e Pingo era o seu xodó. Amava esse cãozinho e sempre falava o quão inteligente ele era: contava que o animalzinho dormia embaixo de sua rede e que diariamente o esperava voltar do quartel exatamente no mesmo lugar e ele sempre tinha alguma história para contar do seu amado vira-lata preto e branco.

O prato que faz Ana Luiza se lembrar dele é a galinha caipira. Era torcedor do Vasco da Gama. Tinha o costume de realizar jogos da loteria e sempre a pedia para retirar o resultado na internet. Depois, vinha ao quarto dela para conferir os seus acertos.

Uma música em especial composta por Nelson Gonçalves e Raphael Rabello, faz com que ele seja lembrado pela família:

"Naquela mesa ele sentava sempre
E me dizia sempre o que é viver melhor
Naquela mesa ele contava histórias
Que hoje na memória eu guardo e sei de cor
Naquela mesa ele juntava gente
E contava contente o que fez de manhã
E nos seus olhos era tanto brilho
Que mais que seu filho
Eu fiquei seu fã"

Concluindo, Ana Luiza fala dos ensinamentos deixados pelo avô Luiz: “Ele nos ensinou a sermos honestos, respeitosos, independentes e a buscar as realizações pessoais e profissionais por meio dos estudos, da gratidão, da humildade e sempre desviando do mau caminho”.

Luiz nasceu em São José do Campestre ( RN ) e faleceu em Natal RN , aos 82 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela neta de Luiz, Ana Luiza Soares Ferreira. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Vera Dias , revisado por Bettina Florenzano e moderado por Rayane Urani em 10 de novembro de 2022.