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Miguel Bento Cruz

1933 - 2020

Criou uma linhagem rica em valores. Privilégio dos que levam o Sítio Lajedo como referência de sua memória.

Esta é uma homenagem da neta Thamyrys ao avô Miguel Bento:

"O sertanejo é, antes de tudo, um forte", a descrição de Euclides da Cunha, em "Os Sertões", representa o retrato fiel do homem sertanejo que Miguel Bento Cruz foi.

Humano de fibra e muita personalidade, vindo de uma infância simples, onde viu, até o começo da vida adulta, a dificuldade e a falta de oportunidades que a terra seca dava aos filhos do sertão.

O cenário de sua criação, apesar de tudo, deu a ele valores e ensinamentos que hoje são passados para as demais gerações. Filho caçula dos homens de José Bento Vitoriano e Maria Martina Cruz, nascido em 05 de março de 1933 no interior da Paraíba, teve seis irmãos. Respeitava muito os pais, assim como foi muito ligado aos demais familiares. Levou suas primeiras décadas de vida de forma traquinas, onde o jeito brincalhão era uma de suas características mais marcantes. Homem esperto e um tanto travesso, suas histórias eram dignas de filme.

Trabalhou durante muito tempo com a lida na terra, andou por muitas cidades, tanto no Estado onde nasceu, como também no Ceará, onde enfrentava qualquer situação com um molejo inigualável.

Foi durante uma volta do Ceará que Miguel Bento se encantou pelos olhos verdes daquela que estava destinada a ser sua companheira por toda vida. Numa troca de olhares em um momento inusitado, a galega Maria das Neves laçou o coração daquele rapaz, que logo se rendeu a seguir numa vida junto a ela.

Miguel Bento costumava dizer: "Nevinha caiu no meu paduá" e, de fato, ele foi o grande amor da vida daquela moça, assim como ela também foi o dele. Casou em 2 de fevereiro de 1959, aos 25 anos. A união deu frutos. Foram dez filhos: cinco homens e cinco mulheres. Como pai, era firme na educação de seus descendentes. Visto como um bom professor por filhos e netos, onde ensinamentos guiaram os seus por bons caminhos, priorizando sempre o lado generoso e honesto. Deixando um legado eternizado como "A Caatinga tem riqueza” e, por esse motivo, nunca abandonou sua cidade natal, passou anos de dificuldade, mas recusou deixar a terra em que foi criado, por acreditar com muita fé na abundância de dias melhores. Ele dizia com convicção os bens daquele solo, para que os filhos, mesmo que fossem para outros Estados, voltassem e percebessem o valor de suas raízes.

Toda dificuldade fez dele um pai rígido e até mesmo um pouco autoritário, pois sabia que sozinho não iria conseguir sustentar a casa; então, levou os filhos mais velhos para trabalhar na emergência, para assim, seguir carregando uma família que crescia cada vez mais com o passar dos anos.

Narrador de boas histórias, encantava todos com os trechos relatados para filhos e sobrinhos durante noites estreladas ou de lua cheia, costume que continuou quando chegaram os netos e bisnetos, ou até mesmo amigos que quisessem ouvir. Conhecido por ser um grande contador de lendas, era dono de uma boa conversa, regada de sabedoria, fantasia e lições de muito conhecimento.

Amante da pescaria, fez diversas amizades no meio. Sempre foi muito querido, visto como bom amigo por todos que tiveram o privilégio de ter sua amizade e companheirismo. Admirado por todos por ser digno, honesto e camarada.

Ao partir, além da esposa Nevinha, Miguel Bento deixou ainda nove filhos, 24 netos e 12 bisnetos, mas, sobretudo, um lindo legado repleto de ensinamentos valiosos sobre a vida, para todos aqueles que carregam seu nome. Criou uma linhagem rica em valores que serão passados por toda sua genética, aqueles que levam o Sítio Lajedo como referência de sua memória.

O corpo forte e saudável, que resistiu às secas e suas consequências, não fora capaz de resistir ao mal que atingiu o ano de 2020.

Aos que Miguel Bento Cruz deixou, fica a eterna saudade. Não o veremos mais deitado no chão, chamando alguns de grudento ou dando a benção com um "Deus te faça feliz". No entanto, fica a lembrança de termos visto uma vida plena e bem-vivida. Do privilégio que foi tê-lo contando histórias, por termos feito parte de uma linda trajetória de vida. Mais uma biblioteca se fecha e, a nós, só nos resta continuar levando seu legado.

Miguel nasceu em Pombal (PB) e faleceu em Pombal (PB), aos 87 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Miguel, Thamyrys Lima Cruz. Este texto foi apurado e escrito por Lígia Franzin, revisado por Lícia Zanol e moderado por Rayane Urani em 17 de janeiro de 2021.