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Jonas José Rocha

1941 - 2020

Apesar das muitas quedas, sempre levantou e seguiu em frente. Até o fim, ele escolheu seu caminho.

A sobrinha Adriana faz abaixo um breve relato sobre o homem que, segundo ela, apesar de tudo, escolheu seu final:

Seria impossível falar de meu tio, sem contar um pouco de sua jornada.

Nasceu em 1941, em uma pequena cidade do interior de São Paulo, numa família de oito irmãos e numa casa minúscula, mas com a liberdade de um imenso quintal de pés de frutas, fato esse, que marcaria muito sua vida e muitas de suas escolhas. Pois era necessário que bem cedo cada um buscasse seu caminho.

E foi assim, que aos 15 anos “pegou sua mala” com as palavras do pai: “se aprece, pois o trem não espera”.

Como tantos, foi para a capital em busca de melhores oportunidades. Em 1965, junto com outros dois irmãos e um primo, montou sua primeira farmácia na periferia da região sul de São Paulo, lugar de tantos sobreviventes e um sonho comum: vencer na vida. Sonho que mais tarde daria lugar ao pesadelo da violência urbana.

Depois de algum tempo, com a sociedade familiar desfeita, sozinho montou seu próprio negócio. Lugar carente de políticas públicas, a farmácia era referência no lugar. Mas o que verdadeiramente atraía as pessoas era a facilidade com que se tornava querido por todos, apesar de seu jeito discreto, sempre ajudando quem precisava, não olhando a quem.

Essa essência de cuidar que o marcava, também era estendida aos animais. Alguns, mantinha em sua casa, outros tantos, recolhia doentes e os tratava. Certa vez, um deles, depois de curado, não quis mais ir embora, e ficou morando na porta da farmácia. Sempre era recolhido pelo Centro de Controle de Zoonoses, a "carrocinha", e o Jonas atravessava a cidade inteira, para ir ao bairro de Santana resgatá-lo.

Outra característica sua era a vontade de aprender, seu desejo era voltar a estudar, começou, mas não teve condições de continuar, visto que a profissão o consumia muito.

Foram anos difíceis de muito trabalho, teve muitas perdas pessoais e financeiras, mas o que o definia nesses momentos era sua capacidade de se levantar e de se reinventar.

Em seus últimos anos, perdeu parte da visão, o que muito o afetou, pois sempre teve um espírito independente, mas continuou trabalhando e tentando superar mais essa dificuldade.

Apesar de toda sua força, chegou algo que ele não pôde vencer, a doença desconhecida que contraiu no final de março de 2020 e que o debilitou impetuosamente. Apesar disso, mais uma vez, foi senhor de suas escolhas, teve a determinação de ir para o lugar onde queria terminar, às margens de um rio.

Em seus últimos dias de vida, tinha plena consciência da morte, disse: “Já vivi, fiz como quis e agora vou tranquilo”. Aceitou a morte com a elegância de poucos, pois no ápice de sua vida, conseguiu escolher seu final.

Jonas faleceu em 12 de abril de 2020, na cidade que escolheu às margens de um rio.

Jonas nasceu em Catiguá (SP) e faleceu em Ilha Solteira (SP), aos 79 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela sobrinha de Jonas, Adriana Luiza Rocha. Este tributo foi apurado por , editado por , revisado por Luana Bernardes Maciel e moderado por Rayane Urani em 8 de fevereiro de 2021.