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Ademir Martins da Silva

1969 - 2021

Pai dos seus filhos, dos seus amigos, dos seus irmãos. Pai até dos seus pais.

Desapegado de coisas materiais, puro amor e alegria, era dono da gargalhada mais gostosa do mundo. Flamenguista fanático, apesar de trabalhar de domingo a domingo, não perdia nenhuma transmissão dos jogos. Amava perfumes, só vivia cheiroso. Nas horas vagas, gostava de cozinhar e, por vezes, juntava os amigos e a família para comerem carne com batatas ou vaca atolada, suas especialidades.

O mais boa praça da Zona Norte Carioca, Ademir era filho de Vera Lúcia e Zelito e tinha quatro irmãos: Selma, carinhosamente chamada de Mana, com quem tinha uma ligação especial, além de fã da macarronada feita por ela; certa vez, ele chegou a dirigir mais de 20 minutos, depois de um dia cansativo de trabalho, só para levar uma comida diferente à ela, só para vê-la feliz. Edson, conhecido por Edinho; sempre que se viam, se cumprimentavam com um beijo no rosto fazendo com que as pessoas ficassem admiradas pelo carinho que um tinha com o outro. E Andréia e Noellen, tratadas como filhas; as irmãs se sentiam tão protegidas que, quando ele as abraçava, fechavam os olhos para aproveitar aquele momento de carinho paterno. Era pai de Isaque e Michel e avô de Cristiano, seus grandes amores.

Sua maior alegria era despertar o sorriso na sua família, e ele não media esforços pra isso: sempre foi muito cuidadoso com todos. Depois do falecimento de seu pai, em 2007, esse cuidado aumentou, tornando-o ainda mais presente, preocupado e dedicado à vida dos seus. Todos os dias enviava mensagens perguntando como estavam, se precisavam de algum remédio ou tinham vontade de comer alguma coisa diferente. Por várias vezes, entregou cestas básicas para familiares ou amigos que ele sabia que precisavam. Chegava sem avisar na casa de amigos, levando o pão para tomar café; fazia companhia quando sabia que precisavam de um ombro. Frases como: "Você está precisando de alguma coisa?" "Mãe, minha rainha, já verificou sua pressão?" "Minha família, vocês são tudo pra mim! "Eu sempre estarei aqui!" "Contem sempre comigo!", eram sempre ditas por ele. "Quando no começo da Pandemia, meu esposo e eu tivemos Covid-19, e ainda não sabíamos o que deveria ser feito, quais cuidados exatos, ele se dispôs a sair do Rio de Janeiro pra vir ao interior de São Paulo trazer remédio para a gente. Morávamos mais de 500 km de distância um do outro, e ainda assim, ele era presente", recorda a irmã Noellen.

Trabalhador, Ademir dividia-se em três funções: Segurança autônomo, em um comércio no bairro de Barros Filho, no Rio de Janeiro. Lá conhecia todo mundo, era muito querido. Com um coração que não lhe cabia no peito, "vendia" cestas básicas para pais desempregados, e não os cobrava. Também fazia transporte escolar; as crianças o amavam porque ele brincava todo o tempo, arrancando sorrisos.

Em casa, tinha um carinho especial pelo sobrinho Nicolas, filho de uma de suas irmãs. Os dois brincavam muito, Ademir sempre o fazia gargalhar, o incentivava em seus estudos e em sua formação pessoal. Aliás, fazer os outros se sentirem bem era uma de suas habilidades. Colocava apelidos, comprava delícias para alguém comer, conversava horas até fazer o outro se sentir melhor, pagava a passagem de ônibus para uma criança ir à escolinha de futebol, quando a mãe não tinha dinheiro, fingia estar "bravo" só para puxar uma "lutinha" com as crianças. Fazia graça o tempo todo, era muito difícil vê-lo triste.

Das lembranças marcantes, ficaram as vezes em que levava a irmã caçula a tiracolo em suas saídas. "Eu me recordo com carinho de quando era criança e ele sempre me levava para vê-lo soltar pipas. Eu ficava sentada por perto, enquanto ele brincava. Apesar dos dezoito anos de diferença sempre fomos um grude", lembra a irmã Noellen. Impossível não se recordar também dos almoços de domingo em que sua mãe, seus irmãos, seus filhos e seus sobrinhos se reuniam para comer carne assada, maionese e macarrão, pratos que ele tanto gostava. Ademir "servia a refeição em um Marinex grande e tentava "esconder" para nós não olharmos". Era pura diversão! "Quando comprei meu primeiro carro, não tinha coragem de pegar a estrada, mas queria que a minha família visse. Então, um amigo que estava indo para o Rio de Janeiro, foi dirigindo. Na volta, Ademir saiu do Rio e dirigiu até o interior de São Paulo só para me ajudar a trazer o meu carro. Quando chegamos na minha casa, ele tomou um banho e foi pra rodoviária pegar um ônibus de volta", recorda com carinho a irmã Noellen.

Amado em todo canto, admirado em todos os lugares, Ademir levava amor e bondade onde precisasse, dividia o pão. "Ele foi nosso porto seguro, nosso amor, razão dos nossos sorrisos. Nos ensinou muita coisa, mas não nos ensinou como tocar a vida sem ele", conta Noellen.

Ademir nasceu em São João de Meriti (RJ) e faleceu em São João de Meriti (RJ), aos 51 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela irmã de Ademir, Noellen Martins da Silva Capraro. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Tamires Borges, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Rayane Urani em 20 de setembro de 2021.