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Adriano Lemos de Araújo Neto

1953 - 2020

Quando uma criança pedia bênção, ele abençoava e ainda dava um bombom.

De uma família numerosa de nove irmãos, o filho de seu Adriano e dona Evarinta era o mais introvertido. Dentro de si, guardava uma amorosidade sem fim, que em diversos momentos da vida aflorava em gestos de acolhimento, carinho e felicidade.

Adriano viveu sua infância num povoado chamado São Francisco, pertencente ao município maranhense de Cururupu. Lá pôde desfrutar da liberdade e dos prazeres da infância interiorana, no convívio com animais e plantas nos quintais. Ainda pequeno, mudou-se junto com os irmãos para a capital, São Luís, onde foi estudar.

A primeira casa na cidade grande era pequenina. Localizada no bairro Madre de Deus, pertencia à madrinha dele, carinhosamente chamada de Palica, que se prontificou a acolher e cuidar das crianças para que pudessem estudar. Os primeiros anos de estudo foram num colégio particular. Contudo, alguns anos depois, passou a frequentar a escola pública.

As férias escolares eram aguardadas com ansiedade por Adriano e pelos irmãos. É que todo ano, seu Adriano, o pai dele, alugava um avião de pequeno porte para que os filhos fossem para o interior. Nessas voltas a Curupuru era tempo de matar a saudade do tempero da comida de dona Evarinta.

A disposição em ajudar com ações concretas, seu modo de falar e aconselhar, e a maneira como conduzia sua existência, foram exemplo para as filhas Alane e Adriane, e também para o sobrinho Daniel, a quem considerava como o filho homem que não teve.

A história dele com Daniel começou quando, ainda solteiro, Adriano morava com os pais e as irmãs. Uma delas, a Sônia, foi mãe solo e o menino passou a fazer parte do cotidiano da casa. Pouco a pouco Adriano foi se afeiçoando a Daniel e, em sua disponibilidade para cuidar da criança, tornou-se a referência masculina dele. O fruto dessa relação cotidiana e intensa foi uma relação de pai e filho que perdurou durante o restante da vida de Adriano que, de alguma maneira, experimentou a paternidade sem ter gerado o menino. Daniel cresceu, e mesmo depois de adulto e casado, chamava Adriano de "pai".

Do casamento de Adriano com Olga foram geradas Alane e Adriane. Durante trinta e quatro anos mantiveram um relacionamento maravilhoso, marcado pelo respeito mútuo e, como não poderia deixar de ser, com os inevitáveis conflitos de casal. Sempre resolvidos, a partir de conversas que apontavam a solução e a retomada do clima de carinho entre os dois.

Eles se conheceram ainda no colegial. Na intensidade da adolescência, namoraram e depois terminaram o relacionamento. Durante anos, cada um traçou seu caminho, estudaram e fizeram faculdade. Quando já estavam formados, ele em Contabilidade e ela em Enfermagem, aconteceu o reencontro, a retomada do namoro e o casamento.

O nascimento de Alana, a primeira neta, foi um momento muito especial para Adriano. Toda a família aguardou ansiosamente pelo nascimento da menina. O mesmo amor dedicado a Daniel, considerado como filho, também era dedicado aos filhos dele, Lucas e Rebeca, a quem Adriano considerava como netos. Lucas inclusive é afilhado dele. Como sempre gostou demais de crianças, o avô revelava seu lado menino e fazia graça para os netos. Ao longo do crescimento deles, fazia tudo, dava tudo, amava demais e levava para passear no shopping. O mesmo acontecia com todos os sobrinhos que tinham no tio um bom companheiro em suas brincadeiras.

Entre as alegrias de Adriano ao longo da vida estavam as reuniões familiares, muitas delas realizadas na casa da irmã Celene. Eram momentos agradáveis, de encontro de seus irmãos, cunhados, sobrinhos e amigos. Com o tempo, dos genros e netos. Reuniões marcadas por conversas sobre a vida e os afazeres de cada um. Enquanto a festa acontecia, ele não abria mão da cerveja gelada com petiscos. No momento das refeições, comia de tudo, mas gostava muito de pratos cozidos, principalmente peixe.

As horas de conversa com o genro Thiago eram um prazer à parte. Adriano e o marido da filha Alane tinham uma enorme simpatia mútua. A ele Adriano dedicava uma confiança muito grande, que se concretizava na entrega do carro para que o genro dirigisse e na responsabilidade do pagamento de contas. Outras tarefas de maior responsabilidade também eram entregues a Thiago.

Voltando às festas, estas eram apenas algumas das situações em que ficava evidente o quão vaidoso Adriano era. Ele gostava de camisetas joviais e com gola em “V”. Os pés, sempre calçados com suas confortáveis sapatilhas. O certo é que ele gostava do figurino todo combinando em cores e estilos.

Por falar em estilo, não se pode deixar de falar da coleção de relógios dele. Uma das marcas de Adriano eram seus relógios de pulso. Ele não tinha tantos assim, mas era apaixonado pelos acessórios. E de acordo com a situação e o estilo da roupa, trocava o relógio do pulso esquerdo. No braço direito, uma pulseira de ouro. E no pescoço um cordão de ouro com dois pingentes, um com a letra “A” e o outro no formato de coração.

Ouvir músicas, dançar e cantar alegravam muito os ambientes frequentados por Adriano. Uma de suas músicas preferidas era "Sacrifice", de Elton John. Mas gostava também de ouvir carimbó, serestas antigas e músicas da Jovem Guarda. Invariavelmente, ele apertava o play e, cantando, bailava — sozinho ou acompanhado.

Outros momentos muito apreciados por ele e pela família eram as viagens. Ele gostava muito de viajar e cada destino era sempre muito especial, pela possibilidade de convívio com seu jeito “bem família”, como descreve a filha Alane.

A atividade profissional de Adriano era a gestão de um pequeno comércio de materiais para construção. O amor pelo comércio do bairro Itaguara foi fundamental para que ficasse evidente uma outra qualidade herdada de seu pai Adriano: o prazer em servir à comunidade. Na loja, sentia uma felicidade especial por poder ajudar pessoas e conversar amenidades com seus clientes.

Aos sábados e domingos, após o final do expediente, sempre que podia, tomava duas latinhas de cerveja com amigos antes de ir para casa. Dentre os amigos que ele mais falava estão Seu Baíma e Seu Sales, que muitas vezes foram companhia nas conversas e cervejas depois do fechamento da loja.

Após seu falecimento, a família assumiu o comércio. E nesse movimento descobriram muitas coisas lindas sobre ele. A filha Alane chega a dizer que foi neste momento que puderam descobrir “quem realmente era ele”.

Entre as histórias que se revelaram está a de uma senhora idosa que certa vez passou pela loja e começou a chorar dizendo que ele era uma pessoa muito boa. A idosa contou que certa vez fora comprar uma vassoura no comércio ao lado da loja de Adriano. Porém, com o dinheiro que tinha, ficaram faltando 55 centavos para o valor do produto. E o dono do comércio não fez a venda. Em seguida a idosa foi até a loja de Adriano que complementou o dinheiro para que ela pudesse adquirir a vassoura.

Havia também um rapaz que passava por lá todo sábado e Adriano dava uns trocados a ele. Com as crianças da região, um mimo delicado que sempre terminava em felicidade: a meninada entrava, puxava conversa e com o tempo até pedia bênção. Ele abençoava e dava um bombom.

Adriano segue vivo na lembrança dos dias felizes vividos com ele; no vazio sentido por amigos e clientes na avenida onde fica o comércio de "Seu Adriano"; na dedicação da família para manter aberta a porta da loja que para Adriano foi muito mais que uma atividade comercial.

Adriano nasceu em Cururupu (MA) e faleceu em São Luís (MA), aos 66 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha e pela sobrinha de Adriano, Alane de Fátima Feres Moraes Rego Araújo Serra e Erika de Araújo Ferreira Benedetti. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 16 de março de 2022.