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Aldo Cemin

1955 - 2021

Pilar da família, artesão da madeira e das construções, fez da vida a arte de acolher e edificar os melhores sentimentos.

Aldo tinha 8 anos quando se mudou com a família para Saudade do Iguaçu, interior paranaense. Naquela época, seu pai, Antônio, decidido a deixar o Oeste catarinense em busca de novos ares, tornou-se proprietário de algumas terras. Quando chegou à localidade, que só passou ao status de município a partir de 1991, havia apenas árvores e matagais, e a família Cemin testemunhou o crescimento daquele rincão.

O tempo passou e Aldo se recordava da época em que ele e sua família chegaram no lugar. Dizia que no começo as coisas foram muito difíceis e que, por vezes, ele e os irmãos iam descalços para a escola, já que não tinham chinelos, tampouco tênis, além de carregarem o material escolar em bolsas feitas de saco de açúcar.

Ele contava à família e aos amigos que ao chegar em Saudade do Iguaçu teve a certeza de que era ali que moraria até o fim de sua vida. Dizia também ter um carinho especial pela comunidade do Urutu, zona rural do município, onde três dos seus irmãos residiram durante vários anos. Chegou, inclusive, a ter um sítio na comunidade, mas, em determinado momento, resolveu vendê-lo. Não conseguindo desvincular-se da localidade, acabou, anos depois, comprando ali uma pequena chácara, onde aos domingos reunia toda a família, e passou ali os seus últimos dias.

Willian, seu filho, conta lembranças amorosas sobre o pai: “Como bom catarinense, meu pai nunca ficava sem o seu chimarrão. Como, por muitos anos, trabalhou em suas obras, ele costumava acordar por volta das 5h da manhã. Ao se levantar, ligava a televisão para assistir à celebração de alguma missa enquanto preparava seu chimarrão. Mais tarde, quando minha mãe se levantava, ela o acompanhava no chimarrão. Ele se acostumara com Saudade do Iguaçu por ter deixado Santa Catarina quando ainda era muito jovem. Não sentia vontade de retornar ao estado de origem, mas sim de permanecer no município que tanto amava”.

Aldo foi casado com Alzira por mais de quarenta anos. Os dois se conheceram em Saudade do Iguaçu. Naquela época, não era muito difícil conhecer todas as pessoas que moravam no vilarejo. Eles tiveram três filhos, Willian, Márcio e Ângela, e viveram uma relação muito bonita de se ver: andavam de mãos dadas, iam juntos ao mercado e eram muito amigos, inspirando jovens casais. Como pai, sempre foi muito atencioso e amoroso com os filhos, cuidado que também se estendeu aos netos.

Um dos maiores prazeres de Aldo era, com certeza, os tradicionais almoços de domingo, dia em que seu semblante se iluminava ao reunir a família em sua chácara. Esses almoços eram deliciosos churrascos, regados a caipirinha, que ele mesmo preparava enquanto ouvia Tonico e Tinoco, Teixeirinha e muita música gaudéria. Momentos que passaram a fazer uma falta enorme para a família depois que ele se foi.

A chácara possuía uma pequena oficina artesanal onde Aldo fabricava e vendia peças de madeira como mesas, cadeiras, bancos, caixa de lenha e outros. O neto Davi, filho de Ângela, gostava muito de ficar ao seu lado brincando com pedaços de madeira e seu martelinho. “Recordo-me que, quando chegou ao velório do avô, Davi, no colo de seu pai, tentando sem sucesso conter o choro diante daquela situação, disse em tom de desabafo: 'O vô Aldo nem me ensinou a trabalhar'! Esta era uma promessa entre os dois: o avô havia dito ao menino que o ensinaria a trabalhar com a madeira quando ele ficasse um pouco maior”, conta Willian emocionado.

“Outra cena que me vem à cabeça refere-se ao dia em que ele foi internado. Estávamos reunidos na cozinha, felizes porque ele e minha mãe tinham saído do isolamento. Em certo momento, Anthony, filho de Márcio, ainda um bebê de colo, ergueu os seus braços em direção ao colo do avô, que disse ao pequeno: 'O vovô não pode meu anjo! O vovô tá dodói; mas amanhã, quando voltar do médico, pega o nenê'. Infelizmente, este dia nunca chegou”, relembra ele.

Aldo é definido pelo filho como “extremamente humano, não medindo esforços para ajudar a qualquer um. Um homem bom e simples, religioso, trabalhador, que inspirou inúmeras pessoas. Ele transformou todos os percalços em sabedoria e aprendizados, nunca se deixando abalar. Generoso, abriu caminhos para muitas pessoas e ajudava o outro sem querer nada em troca. Com sua personalidade conciliadora, foi o conselheiro de toda a família Cemin”.

Ele fala de gostos, preferências e sonhos do pai: “Meu pai gostava bastante de sopa de feijão. Então, é impossível comer essa iguaria e não se recordar dele... Tinha o desejo de comprar novamente a fazenda que durante a sua infância pertenceu aos seus pais... Ele era torcedor do Grêmio... A canção “Ipê Florido” é muito marcante em nossa família e o meu pai amava escutá-la. Em sua despedida, o meu primo tocou essa música em sua gaita, para homenageá-lo, já que ele adorava a melodia do instrumento e ensinou inúmeros aprendizados ao sobrinho”.

Desde muito pequeno ele trabalhava na roça junto com os irmãos para auxiliar no sustento da família e ainda bem jovem migrou para o ramo da construção civil. Nele construiu pequenas casas, grandes mansões, fábricas e até uma faculdade, em Americana, no estado de São Paulo. Inicialmente, trabalhava com o pai e os irmãos. Mais tarde, ficou conhecido por sua competência e pela qualidade das construções que conduzia como Mestre de Obras.

Willian fala de lembranças ligadas ao trabalho do pai: “Recordo-me que ele nos contava sobre a dificuldade de estadia nas obras, instalados nos “barracos” feitos de chapa de madeira naval. Contava que em muitas ocasiões ele e os outros homens passavam frio no inverno e calor no verão. Certa vez, minha mãe e eu fomos visitá-lo no trabalho e passamos alguns dias com ele em um barraco. Realmente, era muito quente, mas, para uma criança, tudo era a mais pura diversão”.

Em seus muitos anos de estrada, empregou muitos trabalhadores de Saudade do Iguaçu e, frequentemente, a família se surpreende com relatos dessas pessoas contando, com gratidão, como era bom trabalhar ao lado de Aldo. Nas horas vagas, gostava de ir ao bar de seu irmão Bino, onde tomava sua cerveja e jogava baralho com os amigos. Com o falecimento de seu irmão, passou a frequentar o bar de seu cunhado Casaril.

Para Willian é difícil selecionar algumas memórias dentre as tantas vividas com o pai, mas arrisca-se a destacar mais algumas:

"Entre as inúmeras recordações que carrego comigo está a ocasião em que participei de um retiro de jovens durante um final de semana. Naquela data, o meu pai estava trabalhando no estado de São Paulo. Ao final do retiro, os palestrantes nos convidaram a olhar para trás, para abraçarmos nossos pais, que tinham ido ao local de surpresa. Como o meu pai não estava no Paraná e minha mãe não sabia dirigir, fiquei exatamente no meu lugar, acreditando que eles não tivessem ido. De repente, me chamaram nos microfones do palco e lá estavam eles dois de braços abertos. De surpresa, o meu pai havia retornado de São Paulo para me buscar no retiro”.

“Todos os momentos ao lado dele sempre foram muito especiais. Quando criança, recordo de esperar ansiosamente pelo dia em que ele chegaria de viagem: algumas vezes, acordava cedo e corria para verificar se ele já havia chegado. Noutras, ficava em êxtase ao acordar e escutá-lo tomando o seu chimarrão e pigarreando. A sensação era indescritível! Quando chegavam as tardes de domingo, eu me entristecia. Era quando ele voltava ao seu trabalho, na maioria das vezes em São Paulo. Sentia um misto de sensações de que me recordo perfeitamente e, inclusive, não gosto do final das tardes de domingo até hoje”.

“Outro fato extremamente marcante foi quando meu pai estava no posto de saúde em Saudade do Iguaçu e me ligaram para avisar que ele seria internado no hospital, em Chopinzinho. Corri até o local para saber como ele estava. Ao chegar, os enfermeiros pediram que eu me mantivesse longe do meu pai, mas de nada adiantou. Saímos juntos do local, ele, minha mãe e eu. Quando passamos em frente à nossa casa para pegar roupas, meus irmãos foram até a ambulância para desejar boa sorte. Ao sairmos, uma lágrima escorreu do rosto do meu pai. Como maneira de demonstrar que tudo estava sob controle, engoli em seco, contendo o choro pelos longos minutos, que mais me pareceram horas, até chegarmos ao hospital”.

Para finalizar a homenagem Willian fala com carinho dos aprendizados que teve com o pai: “São inúmeros os ensinamentos deixados por ele. Acima de tudo ele me ensinou valores que carrego fortemente comigo. Valores como a honestidade, o respeito ao próximo e a perseverança para alcançar os meus objetivos. Ensinou-me que o bem sempre será maior que o mal e que vale a pena ser uma boa pessoa. Mostrou-me que a única coisa que se leva da vida é o amor das pessoas e as boas memórias, o bem feito ao outro e o carinho por cada um. Além disso, ele e minha mãe me mostraram, do modo mais sublime, o que é o verdadeiro amor”.

“Quando sua luta chegou ao fim, partiu deste mundo para junto do Pai, deixando muita saudade e um vazio que jamais será preenchido!”

Aldo nasceu em São Miguel do Oeste (SC) e faleceu em Saudade do Iguaçu (PR), aos 65 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelo filho de Aldo, Willian Cemin. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 27 de junho de 2023.