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Alecia da Silva Oliveira

1925 - 2020

Com a voz de contralto que refletia sua força, cantava a plenos pulmões seus louvores favoritos.

Alecia cantava o tempo inteiro, em qualquer situação. O louvor que mais amava era “O rosto de Cristo”. Faça chuva ou faça sol, durante o dia ou mesmo à noite, nos momentos mais felizes e nos de tristeza, lá estava ela, soltando sua voz de contralto que se ouvia de longe. Uma voz forte, que carregava em si todos os noventa e quatro anos de uma vida.

Mas ela não cantou apenas na velhice. Como nasceu em uma família de músicos, seus pais foram uma grande influência já que desde criança via-os cantar no coral da igreja. Desde então, fez questão de não deixar que essa tradição se perdesse com os anos. Era apaixonada por sua irmã e seu irmão, e juntos, formaram um trio inseparável durante muitos anos. Ela amava muito sua família, e tinha uma ótima relação com todos. Todo esse amor era muito recíproco, afinal, ela era muito querida também.

Solteira, não teve filhos, mas tinha muito afeto a oferecer. Seus sobrinhos eram sua alegria e, por conviver um pouco mais com Célia, apegou-se à menina, tornando-se uma segunda mãe para ela, que lhe deu até um apelido carinhoso: Leinha. Apenas Célia a chamou assim durante os anos de sua vida, uma coisa única entre as duas, e Alecia adorava. Como eram apegadas, sempre levava a sobrinha para passear ou para a casa de suas amigas do trabalho.

E por falar em trabalho, Alecia foi costureira. Começou bem jovenzinha e só parou ao se aposentar. Quando os sobrinhos eram crianças, ela adorava costurar roupinhas para eles.

Já com mais idade, Alecia continuou mostrando a todos sua grande força e sua independência como mulher. Após a morte da mãe, ela morou sozinha em um apartamento até os seus 90 anos. Sua vizinha era Célia, que cuidou da tia com todo o carinho, retribuindo a forma como já havia sido cuidada. Alecia morou também na casa de uma outra sobrinha quando precisou de ajuda por conta de sua mobilidade, e foi só depois de um ano e meio que ela foi para um abrigo, para sua própria segurança e bem-estar. Em todo seu trajeto de vida, Alecia nunca perdeu sua fé ou sua benevolência. Ela amava a Deus acima de todas as coisas, era sua marca.

No abrigo, uma das visitas favoritas de Alecia era sua sobrinha Célia. Não tinha uma pessoa por lá que não visse como a sobrinha iluminava a vida daquela mulher, fazendo com que um brilho especial tomasse conta dela. Tinham uma conexão incrível, Célia relembra, com um tom cheio de saudade, seus dias alegres e de cantorias durante a visitação: “As pessoas no abrigo me chamavam de "Sol", porque quando eu chegava, ela abria um super sorriso! Que bom ser uma benção pra alguém que amamos”.

Aos 94 anos, ela se esforçava para ler, afinal, seus olhos não enxergavam mais como antes, mas também não gostava de usar óculos. Mesmo assim, lia a bíblia fielmente. Quando os dias não tão bons chegavam, ela cantava o louvor e, assim, ia reunindo suas forças. Alecia orou a Deus até o último fôlego de sua vida. E agora, quem fica por aqui, continua com todo o amor e carinho que Alecia deixou marcado em cada um de seus corações.

Alecia nasceu em Guarani (MG) e faleceu em Três Rios (RJ), aos 94 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela sobrinha de Alecia, Célia Oliveira Virgílio. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Letícia Virgínia da Silva, revisado por Paula Ledo dos Santos e moderado por Rayane Urani em 9 de maio de 2021.