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Alessandra Zafanelli Oquiali

1980 - 2020

Apaixonada pelos rodeios, foi em um que encontrou o amor de sua vida.

Alessandra ou Lê como era chamada, era a do meio entre três irmãs e, com idade muito próxima da caçula Aline, elas viveram a vida toda muito próximas. Quando crianças as irmãs aprontavam muito juntas: Saíam escondidas dos pais; iam para os rios da região; bebiam licor escondido, retirado do barzinho que o pai possuía.

Aline recorda com carinho: "Sempre fazíamos tudo juntas. Brincávamos muito na rua com várias crianças ... então a gente brincava de queima, de vôlei, de pega-pega, esconde-esconde, carrinho de rolimã e ‘bets”. Nós não tínhamos muitas condições financeiras, mas éramos muito felizes".

Desde criança, por motivos que Aline não sabe bem explicar, se porque “veio no sangue” ou porque moravam no interior, mas eram muito interessadas por rodeios e essa paixão permaneceu por toda a vida. Depois de casadas, elas e seus maridos saíam frequentemente à procura de rodeios e cavalgadas que aconteciam antes da pandemia, quase todos os domingos em alguma cidade da região.

Elas moravam em uma região onde as cidades não são muito distantes uma da outra, apenas cerca de 20 ou 30 quilômetros, e isso facilitava assistir aos desfiles de cavalos e mulas, bem como participar do almoço que costumava ser servido ao final.

Alessandra foi casada com Reginaldo Oquiali que conheceu nos rodeios montando touros. Começaram a namorar e, com pouco mais de um ano, ficou grávida primeiro de Lucas e, mais tarde, de Lorenzo.

Quando as crianças nasceram, Reginaldo foi trabalhar com o sogro e isso lhe dava uma certa flexibilidade para colaborar na organização da vida familiar. Quando ela voltava ao trabalho após as licenças maternidade, era o pai que cuidava dos filhos. O casal era muito unido e resolviam as questões dos filhos em conjunto e, mesmo ela não estando em casa a maior parte do tempo, de longe ela conseguia se fazer presente.

Ela exercia a profissão de enfermeira e era apaixonada pelo que fazia. Nas horas livres gostava de ajudar as pessoas e sempre fazia o que podia pelos outros. Quando via alguém carente necessitando de algo corria atrás para ver se conseguia. Se uma grávida não tivesse enxoval, por exemplo, conseguia alguma coisa com um e outro e não descansava enquanto não conseguisse seu intento.

Tudo ia bem em sua vida até que em 2016 sofreu um acidente automobilístico grave no qual perdeu o marido e, depois de quarenta e cinco meses lutando bravamente para sobreviver numa UTI, passou a viver na condição de tetraplégica.

Foi então morar com a irmã Aline que cuidava dela com todo zelo e a levava para os tratamentos com diferentes profissionais sem que isso representasse para ela um peso. Fazia o necessário por amor e porque, como diz Aline: “Ela foi minha metade porque acho que isso que é o que éramos uma para a outra. A gente sempre se completou.”

A vida de Alessandra se modificou e sua principal distração passou a ser as conversas que a colocavam a par do que tinha acontecido ou estava acontecendo.

Queria saber sobre tudo o que aconteceu durante os três meses em que esteve em coma; gostava de ouvir as histórias sobre as visitas que recebeu no hospital ou qualquer outro detalhe relacionado ao acidente; queria saber dos amigos e também de todas as novidades que a acontecia em sua pequena cidade.

Conversar era a maneira que ela achou para prender a atenção das pessoas a seu redor e, nessa tentativa, ela só não gostava de seu maior rival, o celular. Quando se sentia trocada por ele, segundo Aline "Ela brigava, dizia que era pra gente largar o celular senão não ia mais falar com a gente ..."

Amorosa e carinhosa com os amigos, sua maior virtude era lutar diariamente e foi assim que ela viveu: "Como um anjo que passou pela terra para ajudar muitas pessoas e ensinar muito a nós familiares.", diz Aline resumindo a trajetória de Alessandra.

Alessandra nasceu Dourados (MS) e faleceu Flórida Paulista (SP), aos 40 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado irmã de Alessandra, Aline Zafanelli Cardoso. Este tributo foi apurado por Saory Miyakawa Morais, editado por Vera Dias, revisado por Walker de Barros Dantas Paniágua e moderado por Rayane Urani em 31 de agosto de 2021.