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Alexandre Orleans Suarez

1991 - 2020

Abriu mão de tudo o que tinha para espalhar amor pelo mundo.

Esta é uma carta aberta de Den para o seu melhor amigo, Alexandre:

Quando li as últimas mensagens que recebi da sua companheira de vida, não consegui nem chorar. Sair para correr, correr muito, correr sem parar, correr e gritar pela rua…

Não tenho nem palavras para descrever o que você representa para mim. Herói? Talvez essa seja a melhor definição e não só para mim, mas para todas as pessoas que tiveram o prazer de te conhecer. Perco hoje muito mais do que meu amigo, um sábio conselheiro - uma pessoa com uma energia incrivelmente alta e que de fato soube "viver a sua vida". Perco hoje uma inspiração, um dos seres humanos mais incríveis que eu tive oportunidade de conhecer, devoto do amor, das crianças e da humanidade como um todo.

Eu me lembro daquele dia, dois adolescentes com 16 anos dando gargalhadas nos metrôs de Londres. Nas fotos percebe-se a completa insanidade e ingenuidade: “Nevico, esse é o portão dos Hooligans, estou parecendo um? — Óbvio, você está igual”... “Vou fazer cara de estranho no metrô pra ninguém fedido sentar ao meu lado, se alguém sentar eu vou conversar...”

Perdidos e sem nenhum destino, mas apenas se divertindo. No ano seguinte você perdeu a sua mãe e resolveu estudar medicina para evitar que outras pessoas perdessem suas mães, seus filhos e seus queridos. Com 22 anos descobre o seu câncer, no seu último ano de faculdade, lutou muito pela vida e resolveu abrir mão de tudo (dinheiro, propriedades e títulos) o que tinha materialmente, para viajar pelo mundo como um expedicionário. A forma mais pura de amar, amar o outro antes de amar a si próprio.

Sua devoção por nossa Senhora de Fátima, o mesmo nome da sua mãe, era a sua força. Quantas discussões sobre religiosidade, quantos desentendimentos que nos deixaram mais próximos? Hoje você está lá, com ela, com as várias Fátimas. Hoje você ocupa o lugar merecido, junto com as estrelas. A sua luz jamais deixará de iluminar os corações onde você guardou o seu espaço.

Uma das últimas conversas que tivemos falávamos sobre propósitos. E você sabiamente definiu a eternidade como fazer tudo aquilo que a gente pode, dar todo amor do mundo que a gente tem para todas as pessoas e seres vivos do planeta. Você também foi taxado de louco, de tolo e de todas as outras coisas por ser apenas uma eterna criança em corpo de adulto. A sua eternidade, suas lembranças, estão marcadas por todos os países e por todas as crianças que você tocou o coração. Inclusive essa criança que te escreve e com muito amor espalhará toda essa luta. Obrigado por me ensinar e me ajudar a enxergar que o amor sempre estará invisível aos nossos olhos, que podemos amar as pessoas em apenas um segundo e assim, tornar a jornada delas e a nossa, eternas.

“Doido, você tá muito romântico... e seja mais! Não seja nunca menos... Nevico, se tem uma coisa incrível dentro de você é essa criança que nunca vai crescer”.

Delinquente (sim, você já foi preso na Nigéria...), o Nevico vai sentir falta de ter o teu conselho, de ter as tuas palavras e tua companhia. Eu sabia que naquela ligação alguma coisa estranha estava acontecendo, ontem falamos por horas e você parecia se despedir e me deixar um recado muito sublime sobre tudo.... Me provocou a retomar os meus projetos, me questionou sobre minha vida, sobre minha carreira, as escolhas que tenho feito e o escapar da minha essência...

O que vou fazer agora sem o meu ministro da saúde? O que vou fazer agora sem aquele meu companheiro de zaga nas peladas do Hyde Park? O que eu vou fazer agora sem a inspiração de um homem que move montanhas apenas para ver o sorriso de uma criança, de uma criança que ele nem conhece?

E eu já sei o que vou fazer. Primeiro te agradecer por tudo, e segundo, deixar que você ocupe o espaço da sua alma no seu lugar de direito. “Se você acha que está amando pouco, ama muito, ame sem parar.... porque quando eu for embora, não quero que falem do que eu fiz, mas do como eu amei”. Me caio em choro e em isolamento, em questões muito profundas sobre a vida, sem perguntar porquê, mas entender para que. Vou chorar muito sua ida, seu palhaço! Eu te amo!

Que a sua luz habite os meus sonhos, que mesmo de longe você continue me iluminando, pois você fará uma falta imensa para mim e para esse planeta. Eu te amo e o nosso sonho nunca se cessará.
Obrigado meu amigo, obrigado por simplesmente ter existido na minha vida.

“Mother Mary comes to me speaking words of wisdom, let it be”.

Fique para sempre com D’us. O teu lugar.

Alexandre nasceu em Brasilia (DF) e faleceu no Amazonas (AM), aos 28 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo melhor amigo de Alexandre, Den. Este texto foi apurado e escrito por Den, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 1 de agosto de 2020.