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Alexandrina da Paixão Monteiro

1933 - 2020

Seu sorriso, irresistível e contagiante, era um convite para colo ou abraço.

Como boa contadora de histórias, Alexandrina tinha ela própria uma digna de filme de romance. Na mocidade, era para ser mais uma volta para casa. Mas, naquele dia, foi mais: à primeira vista, Xandica e Martirinho se apaixonaram. Ambos eram passageiros de uma viagem de volta do interior. Em breve, compartilhariam não só a casa, mas também a vida. Os sonhos.

Não era fácil resistir ao sorriso de Alexandrina. Ele era convite para colo e abraço acolhedor. Sempre. Para qualquer um que precisasse de dengo. Aliás, se tinha algo que Xandica sabia fazer era dar carinho. Afinal, foi mãe de treze: Ana Maria, Clarisse, Antônio, Bernadete, Sônia, Luís, Galiléia, Célia, Hermanis, Odeise, Darcy, Andréia e Hélio. Como se não bastasse, fora de casa, seu amor ainda dava conta de atender aos pequenos em sala de aula.

A Xandica professora nasceu por necessidade. Por falta de quem ensinasse, resolveu ocupar o vazio da sala de aula num sítio em Arraial, interior de sua cidade natal. Com apenas a quinta série, ainda moça, por amor e vontade, começou a educar. Só depois de casada retomou os estudos e se formou normalista. Mas já tinha uma vasta experiência em educação.

A diferença de estar em casa ou na escola vinha pelo jeito como era chamada. Nesta, dona ou professora. Naquela, mãe. Em ambas, sua entrega era total. Criar treze filhos, cada um passando por uma fase diferente da infância ou adolescência, fez de Xandiquinha uma mulher sensível. Em constante vigília às demandas de cada cria. O que deixava Xandinha feliz era fazer os outros felizes. Especialmente na cozinha, onde tinha mão cheia. Os pratos mais pedidos pelos filhos eram maniçoba, pernil de porco no forno, peixe frito (pratiqueira era o preferido!), cozido de dourada… Eram muitas as formas de demonstrar seu amor.

Os momentos favoritos de dona Xandica eram dois. O primeiro, quando o dia dava para igarapé… Ela parecia um peixinho! Gostava de mergulhar e de estar na água. Aos pequenos que não sabiam nadar, dava confiança. E assim a criançada, uma por vez, se agarrava às suas costas para que ela se entregasse às águas calmas. Já o segundo momento era quando tinha a família reunida. Isso acontecia especialmente em três datas comemorativas: no dia das mães, no aniversário dela e no Círio da cidade. Xandiquinha ficava radiante diante da família: sorria, contava piada. Seu espírito alegre se potencializava. Transbordava amor!

Muito religiosa, Xandiquinha não perdia os cultos evangélicos. Mas era em casa que ela cumpria um ritual sagrado. Orava, todos os dias, pelo bem dos treze filhos, vinte e sete netos e dezoito bisnetos. Sempre foi apaixonada por todos e orgulhosa, muito orgulhosa da família que formara.

São três os adjetivos que definem Xandiquinha: bondosa, carinhosa e guerreira. Dizia sempre: “Coração é terra que ninguém pisa. Por isso, fique alerta”. Foi seu ensinamento maior.

Alexandrina nasceu em Maracanã (PA) e faleceu em Igarapé-Açu (PA), aos 86 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela esposa do neto de Alexandrina, Márcia Cristina Silva de Almeida. Este texto foi apurado e escrito por Carolina Margiotte Grohmann, revisado por Paola Mariz e moderado por Rayane Urani em 30 de maio de 2020.