1963 - 2021
O prático de farmácia que, além de vender medicamentos de forma responsável, divertia os clientes com histórias de vida.
Epitáfio: Não fazia distinção de ninguém. Bastava passar em frente à farmácia que ele já chamava para prosear.
Alfredo, ou Fefeu, ganhou esse apelido entre os amigos de infância por conta de uma homenagem feita pelo pai a um jogador do Flamengo, cujo nome também era Alfredo, conhecido como Fefeu.
Amigável e muito prestativo com todos, trabalhava atendendo aos clientes no balcão da farmácia de seu sogro. E engana-se quem pensa que Fefeu estava ali só para vender remédios. Nada disso. Alfredo era bom de prosa e sempre tinha alguma história interessante para contar, fosse dos tempos idos ou das peladas de futebol.
O amigo que fez questão de homenageá-lo, Cesar, conta que Alfredo também era apaixonado por motos e gostava muito de pedalar; e é impossível deixar de mencionar o quanto era querido por todas as pessoas que o conheciam. "Era um verdadeiro 'boa praça'", comenta Cesar.
Nunca deixou a idade se afastar da vaidade. Muito vaidoso, apesar de já contar 57 anos bem vividos, Alfredo "era um cara assim, tipo playboyzão"; usava um 'topetão' no cabelo claro, tinha energia de sobra e era muito brincalhão - aliás essa era sua marca registrada; "era dessas pessoas que atraem amigos para perto de si, sabe?", lembra Cesar sobre o saudoso amigo.
Cesar e Alfredo trabalhavam juntos há dois anos. Conheceram-se na empresa; Cesar é farmacêutico e Alfredo era balconista - mas preferia o termo antigo: prático de farmácia. "A gente tinha uma amizade bem bacana, conversava sobre diversos assuntos, relacionados à vida, à morte, essas coisas... Ele era um camarada muito bacana, um cara incrível e faz muita falta."
"Muitas pessoas achavam que ele era farmacêutico, até pela forma que trabalhava. Eu, como farmacêutico, posso dizer que ele era um ótimo profissional. Ele respeitava os clientes e fazia as vendas com bastante consciência e seriedade. Era sério e ético. Eu diria que era um dos melhores balconistas que já conheci. Um ser excepcional. Poderia, no passado, ter feito uma faculdade de Farmácia... seria um ótimo farmacêutico. A gente fazia uma parceria na hora de atender; isso passava uma confiança muito grande para os clientes. Ele atendia, direcionava pra mim, e pedia pra eu explicar de uma forma técnica. Eu gostava dessa forma de atuar com ele, a gente era um time mesmo."
Cesar e Alfredo contavam suas histórias ou questões cotidianas um para o outro. E tinham aquela amizade gostosa dentro da qual cabe a brincadeira. Um "pegava no pé do outro", só pra zoar mesmo. Como eram de regiões diferentes do Brasil, um caçoava do outro por conta das peculiaridades culturais. Uma brincadeira sadia, entre amigos verdadeiros, que trazia leveza aos dias de trabalho.
"Eu gostava muito de estar ali e conversar com ele. Eu me animava em ir para a farmácia para a gente trocar ideia e pegar no pé e ouvir as piadas dele, as conversas dele. Às vezes, diziam que éramos parecidos, até perguntavam se eu era filho ou irmão dele. Eu apenas negava, mas ele dizia que não, porque era mais bonito." - recorda Cesar lembrando das risadas que essas brincadeiras provocavam.
Ele sempre jogou futebol, era um cara bom de bola. O pessoal que hoje está na casa de cinquenta e poucos anos, forma um grupo que cresceu e se desenvolveu jogando com ele. Alfredo era bem conhecido por suas habilidades no campo. "Se não me engano, ele chegou a cogitar a possibilidade de jogar no profissional.", comenta o amigo.
"Tinha um quadro na parede da farmácia do time de futebol deles, e aí chegavam os clientes antigos ou conhecidos, e ele já puxava a conversa para falar sobre o time, sobre o que eles passavam no futebol, os grandes lances e tal. Não sei se era invenção, mas sempre o pessoal comentava desse quadro que ficava aqui na farmácia. Eu me lembro muito bem, foi retirado esse quadro, mas quando eu olho pra parede aqui, eu lembro dele. Na foto ele aparecia meio agachado, perninhas meio grossas, o cabelinho loirinho... naquela época já tinha um 'topetão'. Aí eu lembro dessa cena aqui, do pessoal conversar e ficar um tempo aqui falando sobre isso.", recorda Cesar cheio de saudades.
Alfredo e sua esposa tinham uma boa relação, ela gostava muito dele, e ele dela. Eles eram recém-casados; viveram juntos por nove anos e estavam casados oficialmente há quatro meses. Para ela foi uma grande perda. O casal tinha vontade de ter a casa própria e muitos outros planos - de viajar, inclusive. "Ele falava muito que tinha tido uma moto e vendeu, pensava em comprar uma outra mais potente para poder viajar, pegar a estrada. A gente falava muito sobre isso também." comenta Cesar.
A morte de Alfredo foi anunciada até em alguns jornais da região, porque ele era muito querido na cidade de Anchieta, no Espírito Santo. Era uma pessoa tão "gente boa" que as pessoas ficaram muito chocadas com a perda dele.
"O pessoal passava lá na rua, aqui perto da farmácia, ele já gritava aqui de dentro, chamando e puxando conversa e contava histórias do passado e brincava... Que saudade do meu amigo" - finaliza Cesar.
Alfredo nasceu em Anchieta (ES) e faleceu em Anchieta (ES), aos 57 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pelo amigo de Alfredo, Cesar Marcus Soares Cunha. Este tributo foi apurado por Saory Miyakawa Morais, editado por Ana Macarini, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Ana Macarini em 16 de agosto de 2021.