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Alzira de Freitas Bentes

1932 - 2020

Gostava de música alta, alegre e dançante, porque era divertida e adorava aproveitar a vida.

Imagine uma cidade tão pequena que nem praça tem. É fim de tarde enquanto você caminha por ali, até perceber que, na porta da casa que fica de frente para a estrada, está uma senhorinha que observa quem se aproxima, na expectativa de que seja uma visita para o café. Imaginou? Então, pode entrar. Entra e vem saber quem foi Alzira, ou melhor, Dona Rosa, "a rainha de todas as flores".

Como uma típica mulher da zona rural, Dona Rosa gostava de acordar cedo, passar um café fresquinho, dar milho para as galinhas e acompanhar o movimento na rua. Em dias comuns, distraía-se com pequenos afazeres e novelas, dando também boas risadas com os programas de fofoca que assistia para passar o tempo.

Quando o sol ia se pondo, sentava-se na frente de casa para tomar o café da tarde e esperar alguma visita. Quem quer que a encontrasse, logo percebia que se tratava de uma senhora elegante e vaidosa, sempre cheirosa e com os curtos cabelos pintados em tom de caramelo. Mas engana-se quem pensa que Dona Rosa era só beleza e aparências.

Ainda que tenha enfrentado muitas dificuldades, manteve o alto-astral e o bom humor que só lhe fugiam quando era contrariada, mas gostava mesmo era de levar a vida com um misto de leveza e intensidade. Era leve porque sabia reconhecer o valor de coisas simples, como conversar com quem lhe pudesse contar histórias do dia a dia e compartilhar boas risadas. Era intensa porque gostava de aventuras, festas e não dispensava um passeio.

"Não tinha nenhum tipo de obstáculo que fizesse com que ela parasse, com que ela deixasse de viver", lembra a caçula, Rosana. Era ela que, junto com a irmã Nilzete, acompanhava a mãe a uma de suas atividades favoritas: a viagem mensal ao Magazan, uma loja conhecida de Belém. Dona Rosa gostava de ter dinheiro no bolso, porque adorava fazer compras. Mas, sabia que o melhor da vida não tem preço e por isso, valorizava as amizades e a presença da família.

Em casa, foram incontáveis festas de aniversário e de São João com direito a fogueira e quadrilha, Natais e Réveillons regados à muita diversão, bagunça dos netos e bisnetos e boas prosas. Alegre como era, dizia que gostava de música alta e dançante, como o Carimbó e o Merengue e fazia questão de não ouvir nada triste porque, simplesmente, não combinava, e isso é fácil de entender.

Dias tristes existem para qualquer um, mas Dona Rosa era a animação em pessoa e uma prova de que a idade não define as coisas para ninguém. Se tinha um bingo na comunidade, ela ia e queria ganhar. Se tinha um jogo de futebol, colocava seu bonezinho e ia torcer. A verdade, é que não tinha um evento que Dona Rosa gostasse de perder e, com esse jeito de ser, esbanjava uma disposição invejável.

É de se compreender que, em sua ausência, a casa em que Dona Rosa vivia com a filha mais nova, e que era frequentada por seus demais parentes, tenha ficado grande demais. Nas palavras de Rosana, a "saudade faz eco" para ela, Selma, Ziza, Denilson, Márcio e Nilzete ― sem falar nos nove netos e nos quatro bisnetos dessa mulher que, ainda na infância, ganhou do padrasto um apelido que a transformou em flor para marcar a vida de muitos com seu perfume.

Alzira nasceu em Santo Antônio do Tauá (PA) e faleceu em Santo Antônio do Tauá (PA), aos 88 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Alzira, Rosana de Freitas Bentes. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Larissa Reis, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 23 de julho de 2020.