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Antônia Afra dos Santos

1944 - 2020

Sabia tudo sobre chás. Sempre tinha, de memória, uma receita para curar dores.

Antônia foi o alicerce, a chefe de família, a mulher da família. Cheia de atitudes ela não gostava de depender de ninguém. Ela escolhia a hora para dar suas opiniões, conselhos, e não falava à toa; para ela as palavras eram algo precioso. Era simpática, de riso fácil e tinha o dom da empatia em um nível incomparável. Não só se colocava no lugar do outro, como também fazia de tudo pra ajudar qualquer pessoa.

Era uma mulher negra, simples, quilombola e agricultora. Trabalhou desde criança ajudando seus pais, casou-se aos 15 anos com o seu primeiro namorado, Estevo, com o qual permaneceu casada durante cinquenta e nove anos. Tiveram dez filhos e ela deixou seis em vida: João, Maria do Rosário, Maria do Carmo, Estevão, Maria do Socorro e sua caçula, Lusineide. Foi uma mãe presente, prestativa e muito correta. Não gostava de intrigas e era sempre receptiva. Criou vários netos e, mesmo sendo avó, a maioria deles a chamava de mãe.

Era religiosa e devota de Santo Antônio. Amava cantar e dançar, mesmo com passos lentos. Ela sempre cantava e dançava, em seguida sorria como quem dizia "consegui te dar um sorriso"; e o sorriso dela era um presente. Engraçada, era motivo de muitas gargalhadas.

Antônia era conhecida também como Toinha de Estevo. Antônia conhecia vários tipos de chá e tomava tudo porque acreditava que ficaria melhor, ou seja, ela tinha fé nos chás. Todo tipo de chá que a ensinavam, ela aprendia e fazia. Mas isso não exclui o fato de que ela tomava medicamentos farmacêuticos também. Quando ela passava mal, ensinava aos filhos qual tipo de chá ela queria para aquele momento e para aquela dor. Mesmo com Alzheimer ela sempre lembrava de todos os ingredientes de todos os chás que conhecia.

"No caso dela o Alzheimer não foi agressivo, minha mãe tinha uma memória muito boa, resolvia tudo! Mas já dava indícios de falhas: esquecia o que ia fazer, esquecia de fazer suas coisas e até da própria fala, às vezes. Lembrava muito das pessoas que faleceram, como seus pais. Quando tinha crise, ela lembrava de algo ou pedia para dar algum recado a eles. Era como se ela estivesse vivendo o passado no presente. Tipo ‘cadê mãe?’, ‘eu vou para a casa de mãe’, ‘pai pediu para fazer isso’, coisas simples mesmo”, lembra a neta.

“Apreciava uma boa conversa e nunca lhe faltava assunto. Foi uma presença marcante. Foi mãe, irmã, avó, bisavó e tataravó admirável, sempre grata por cada dia de sua vida, pelas pessoas e pelos seus. Nosso muito obrigada é pouco para expressar nosso sentimento de gratidão pela sua existência”, finaliza a neta com gratidão.

Antônia nasceu Rodelas (BA) e faleceu em Paulo Afonso (BA), aos 76 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Antônia, Letícia Tainara. Este texto foi apurado e escrito por Ozaias da Silva Rodrigues, revisado por Luana Bernardes Maciel e moderado por Rayane Urani em 11 de junho de 2021.