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Antonio Carlos Gomes Tavares

1955 - 2020

Pai, companheiro, amigo. Seguiu viagem no céu de pipas e aviões da sua infância.

Tunico, Kaká, Parrôla, Toninho. Homem de muitos — e carinhosos — apelidos. Uma pessoa simples e popular, que não deixou de nos ofertar com a singularidade de sua vida. Era o primeiro filho de sua mãe, que resolveu chamá-lo pelo mesmo nome de seu tio materno: Antônio Carlos.

Enquanto criança, brincou de tudo um pouco. Vendia manga na feira para faturar um trocado e arranhar o céu com sua pipa, tenteando-a para ir ao encontro, naquele fundo anil, do avião que seu pai pilotava. Depois do exame de admissão, ocupava os primeiros lugares nos diários de classe do Pedro II, no Engenho Novo. Não raro, seus professores repetiam em vão o seu nome na chamada. Esquecia o lápis e caderno para ficar hipnotizado nas mesas de seu fliperama preferido, na estação da Penha, até que o pai o levasse para a casa puxado pela orelha.

Resolveu ser torcedor do tricolor carioca. Fascinado pelo futebol, vivenciou na mocidade o tricampeonato do escrete de Pelé, Tostão e Jairzinho. Nesta juventude que passou muito rápido, não queria ficar de fora dos times de pelada. Então, se esmerou para guardar sua vaga de goleiro nos campeonatos de futebol de salão, mesmo quando já contava seus cabelos grisalhos, no Pavunense. Como a bola ia ao seu encontro, deixava para correr pelas ruas dos subúrbios do Rio para apagar os balões que lançava nas noites de junho.

Nas horas vagas, por atenção ou obrigação dada pela mãe, ensinava matemática aos irmãos mais novos. Tutor exigente até demais, mas não menos correto. Anos depois, o rigor característico das lições de contabilidade marcaria, em parte, sua trajetória de mais de três décadas no Banco do Brasil. Depois de deixar pelo caminho a faculdade aos vinte anos, quase cinquentão, voltou para a sala de aula. Aluno persistente até mesmo nas sextas-feiras, fim de noite. Repetiu a dose várias vezes, entre outras motivações, para que os filhos o tivessem como exemplo.

A severidade do trabalho acompanhou, na mesma medida, a leveza, bondade e solidariedade de sua vida. Considerado amigo de primeira e churrasqueiro ímpar em todos os lugares onde havia fumaça e fogo no braseiro, tornou mais interessante esta arte culinária. Quase uma ópera de cortes diferentes, harmonicamente sincronizados. Para acompanhar a arte das carnes, a ciência do chope: tinha de estar absolutamente perfeito e na temperatura exata, ou então a bebida retornava ao balcão, seguindo o ritual de um autêntico apreciador da tulipa e do colarinho.

Depois dos anos, já muito caseiro, alegrava-se quando o dia lhe oferecia a oportunidade de contar histórias a todos, muitas vezes repetidas, mas originalmente regadas com seu humor. Nos encontros e churrascos fazia sua melhor performance, nos palcos que dividiu com os colegas do Banco, amigos de esquina e, especialmente, a família.

Mais do que tudo, teve oportunidade de viver e sentir-se em família, que abraçou com um amor confinado, mas imensamente forte por seus filhos e esposa. Quem pertenceu a esta cena e atravessou a sua vida, colheu a beleza, força e integridade que marcaram o destino de uma grande pessoa.

De onde estiver, talvez no céu que admirou junto com as pipas e os aviões durante a infância, vai passar, agora, a nos observar, legando grandes e memoráveis sentimentos a todos que partilharam de sua motivação pela vida.

Antonio nasceu Rio de Janeiro (RJ) e faleceu Niterói (RJ), aos 64 anos, vítima do novo coronavírus.

Jornalista desta história Michel Misse Filho, em entrevista feita com irmão Paulo Tavares, em 3 de agosto de 2020.