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Antônio da Silva Freitas

1965 - 2020

Anotava as indicações e os horários dos remédios do pai, cuidando para que ele fizesse tudo certinho.

O primeiro de treze filhos, era assim que gostava de ser apresentado, em vez de "o irmão mais velho". Animado, Antônio comparecia a todas as comemorações e dava atenção aos convidados, servindo-os com frutas e alegria. As festas eram regadas pelo forró, destacado na figura do cantor Jorge Altino, seu preferido.

Foi um irmão, filho e pai disposto e empenhado a resolver qualquer situação levantada por sua família, com uma boa conversa; o objetivo era sempre buscar possibilidades de solução. Graças a essa habilidade conciliatória, construiu uma postura de respeito. Desde pequeno, com paciência, ajudava a mãe a cuidar de Aluísio, que nasceu um ano depois dele e era considerado o irmão mais ativo de todos.

Foi o primeiro dos filhos a desbravar uma vida nova em São Paulo. Conforme foi se organizando, os outros irmãos - oito homens e cinco mulheres -, foram migrando aos poucos.

Ele lembrava que, logo que chegou à cidade, ainda se acostumando com o ambiente, foi tomar sol à frente da casa do vizinho e acabou sendo convidado pelo proprietário da casa, desconfiado, a se retirar. Se eles tivessem tido a oportunidade de conversar, certamente Antônio o teria cumprimentado com um aperto de mão e um sorriso nos lábios.

Geraldo descreve uma das poucas e especiais lembranças que guarda da convivência com seu irmão na infância: “Estávamos levando os bodes para o pasto e tinha chovido. Os matos estavam molhados e bode não gosta de água. Então, eles davam trabalho para entrar no mato molhado. Eu ficava chorando com aquela situação, aí ele falou: deixa de chorar, você parece manteiga, qualquer coisinha já fica derretendo”, rememora Geraldo, divertindo-se saudoso.

Outro momento que ficou guardado na memória foi uma passagem do ano de 1998, quando Geraldo, Antônio e mais dois irmãos, Aluísio e Edvaldo, saíram de férias para visitar os pais e puderam partilhar histórias engraçadas e assuntos bem específicos de cada um deles.

As férias de Antônio eram sempre no mês de junho. Fazia questão de prestigiar o São João pernambucano. Quando se aproximava o mês, ia à casa de cada irmão pedir roupas para levar aos parentes de sua cidade natal. Em seu retorno, muito alegre, trazia notícias e detalhes de todos. “Sempre muito prestativo, só fazia o bem. Ajudar era o dom dele”, descreve Geraldo.

Como um bom pai, preocupava-se com o futuro dos filhos e ensinava o caminho do bem; todos reconhecem o grande pai que tiveram. O filho Lucas relembra que quando criança, como era muito curioso, fazia inúmeras perguntas ao pai, e sempre era atendido; nunca ficou sem resposta aos seus questionamentos.

Foi também, com certeza, o filho que todo pai gostaria de ter. Antônio dedicava cuidado aos seus pais. Após a difícil perda da querida mãe, continuou auxiliando o pai; explicava detalhadamente a indicação e os horários dos medicamentos, e acompanhava o uso correto. Geraldo descreve seu irmão como “uma pessoa muito família e um ser humano incrível.”

No trabalho, era considerado referência na área, principalmente pela experiência de trinta e três anos numa fábrica de pneus. Atuava no setor de almoxarifado, controlando entrada e saída de peças, máquinas e ferramentas. Ao atender um cliente, explicava detalhes do produto escolhido, tamanha era sua intimidade com o material. Os colegas de trabalho gostavam muito dele e era com frequência solicitado a substituir o supervisor quando havia necessidade.

Sempre que tinha oportunidade, Antônio compartilhava os conhecimentos adquiridos em tantos anos de profissão; principalmente nos almoços de domingo, quando conversava com o irmão Geraldo. Era evidente que gostava muito do que fazia.

Antônio levava alegria, bondade e sorriso por onde quer que fosse.

Antônio nasceu em Afogados da Ingazeira (PE) e faleceu em Guarulhos (SP), aos 54 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo irmão de Antônio, Geraldo Magela da Silva Freitas. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Emily Bem, revisado por Francisco Clailton de Morais e Fernanda Ravagnani e moderado por Rayane Urani em 16 de setembro de 2021.