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Antonio Martins da Silva

1948 - 2020

Tudo na casa era do jeito dele, até “embirrava” se fosse diferente. Tinha mania de ter vários cadeados no portão.

Era o filho mais velho de uma família muito modesta do Acre. Aos seis anos, foi levado a trabalhar vendendo os salgados que a mãe, viúva, fazia para conseguir sustentar os quatro filhos. Além de vendedor, fazia também as compras. Ia de madrugada ao mercado e dormia em cima dos sacos, aguardando a chegada da carne que a mãe usaria para produzir os salgados. Só quem chegasse cedo comprava, a oferta era escassa e não dava para todo mundo.

Mesmo assim, dormindo pouco, foi o único dos irmãos que conseguiu estudar. Persistente, esforçado, se fez na vida e ajudou os mais novos. Cursou faculdade de Economia. Dedicado, tornou-se funcionário público ao passar no concurso para Fiscal da Fazenda, onde atuou até completar seus 70 anos, quando se aposentou. Amava o que fazia, era querido pelos colegas de trabalho, que o apelidaram de Don Martan, por ser um decano, o mais antigo no cargo dele.

Foi casado por quarenta e seis anos com Sebastiana dos Santos Silva. Eram vizinhos na adolescência. Nessa época, ela namorava o irmão dele, Fernando, que faleceu. Passado um tempo, começou a namorar Antônio. Parecia estar destinada a se juntar àquela família. Quando se casaram, ele tinha 26 e ela 22 anos. Começaram uma vida simples, mantendo grande companheirismo, sempre juntos nas adversidades, ele como um marido guardião e protetor, ela como cuidadora amorosa da família. A situação financeira começou a melhorar depois que ele passou no concurso. Nessa época já tinham três filhos: Nereida, Antônio Fernando e Naryane.

Comilão, estava com diabetes. Mas não tinha conversa quando via uma boa goiabada, um de seus doces preferidos. Galinha caipira? Comeria uma inteira se pudesse. E o peixe frito também estava entre os seus pratos preferidos, mas tinha que ser bem sequinho, como só dona Sebastiana sabia fazer. Aliás, ela fazia de tudo para ele, era um xodó só.

Ele tinha um grupo de amigos, de diversas idades, com os quais se encontrava frequentemente para prosear. Católico, não ia à igreja, preferia assistir as missas transmitidas pela TV. Outra de suas distrações era escutar as radiodifusoras de Rio Branco no seu rádio de pilha, ouvindo os programas esportivos. Dormia com o radinho embaixo do travesseiro.

Reservado, muito calmo, amava o tradicional Botafogo e não perdia um jogo da “Estrela Solitária”, time dos atletas que antigamente contemplavam o brilho da Vênus matutina na Enseada do Botafogo. Embora nunca tenha ido ao Rio de Janeiro, seu Antônio torcia pelo time do coração sob o céu de estrelas do Acre, pois há paixões inexplicáveis que estão além do espaço e do tempo.

Deixou cinco netos. Natalia, uma das netas, o descreve assim: “Se o nome do meu avô pudesse ser outro, eu diria que seria Abraão, que significa “Pai das multidões”, porque foi um pai não só para os filhos e os netos, mas também para outros familiares e vizinhos. De coração aberto, recebia a todos com afeto, sem distinção e ajudou na educação daqueles que precisaram. Cuidou de todos com o maior zelo do mundo, até o último segundo.”

Antonio nasceu em Sena Madureira (AC) e faleceu em Rio Branco (AC), aos 72 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Antonio, Natalia Silva dos Santos . Este texto foi apurado e escrito por jornalista Bettina Turner, revisado por Luana Bernardes Maciel e moderado por Rayane Urani em 9 de maio de 2021.