1942 - 2021
Uma vida que se estendeu por décadas com rara intensidade de vivências, como um pequeno caleidoscópio de brilho.
Natural do Paraná tradicional, descendia de famílias antigas de radicação nos Campos Gerais, mescladas a seu tempo com as levas de imigrantes, depois chegados. Nasceu na cidade de Curiúva em 1942, pisciana pronta para um mundaréu de sonhos. Um dia, quando passeávamos em uma cidade europeia, de braços dados por causa do frio, ela brincou (sempre brincava ao fazer retrospectos sobre si) – veja meu amigo - a caboclinha de Curiúva até onde chegou... Quem diria, não?
Sua vida escolar transcorreu totalmente como interna em colégios de religiosas. Primeiramente em Piraí do Sul, junto às irmãs Marcelinas, e depois em Castro, no Colégio São José, onde concluiu seus estudos de Magistério. Posteriormente, diplomou-se nas licenciaturas de Pedagogia e Letras na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).
Profissão: professora. Durante a vida toda lecionou português. Iniciou a carreira profissional no mesmo Colégio São José. Depois passou ao magistério na rede estadual, ensinando em escolas estaduais como a da Castrolanda e o Colégio Vespasiano, e mais tarde no NAES, núcleo de ensino supletivo para jovens e adultos, que ajudou a implantar em Castro. Também atuou na área administrativa da rede estadual na Inspetoria de Ensino. Muitas centenas de alunos recordam as explicações claras e exatas, o apuro em construir nos alunos o bom controle dos códigos de excelência do léxico da língua portuguesa.
Esposa e mãe dedicada. Com grande desenvoltura integrou-se à comunidade de origem polonesa do esposo Ricardo Pianowski, fazendo-se a coluna que lhe sustentou o lar, no dizer bíblico de Salomão. Filhos, três, Adriane, Fabiane e Ricardo. Como mãe, foi de pleonasmos e hipérboles. Mimos e cuidados com esse trio foram tantos (e só sabemos uma pequena parte disso), que esse traço de sua personalidade era evidente para todos. Cuidados que desbordavam e sobravam também para sobrinhos, afilhados, alunos, comadres, vizinhos, hóspedes eventuais, funcionários, e todo tipo de conhecidos, em constantes galanteios de afeto.
Desbravadora de caminhos, viajante imparável, curiosa sempre, todos os destinos lhe interessavam. Praias e sertões. Metrópoles e vilarejos. E a invasão dos bárbaros se dava sempre em grupos. Era uma turista gregária, capitaneando a tropa que arregimentava pelos museus, igrejas, praias, mirantes, e, claro, lugares de comida.
Palradora, tiradora de prosa, sabia falar e ouvir. Como diz a amiga Setuko Nagao, tinha conversas apropriadas desde a enxada até a embaixada. Proseava com o matuto e debatia com o acadêmico. Tudo lhe era interessante, significativo. E infinitos eram os refolhos da memória em que armazenava tantas sabedorias.
Para ela o mundo era assim. Pessoas, que conviviam e compartilhavam saberes. Saberes que se multiplicavam em conhecimento culinário, médico, linguístico, político, humano, musical, geográfico, histórico, folclórico, mesclando universalidade e veredas de crenças e temores ancestrais.
Foi muito ativa no campo da caridade católica, em especial no apoio às ações da Congregação Cavanis em Castro, e ainda mais nas atividades das Irmãs Cavanis, de quem se tornou uma amiga por excelência, funcionando por muitos anos como um alter-ego-extra-muros da Irmã Elsa Bezzi, trazendo a comunidade castrense a co-construir os espaços das Irmãs em colaboração permanente. Além daquela caridade em que era contumaz e silente – aquela em que a mão esquerda não sabia o que a mão direita fazia.
Sociabilidades manteve também nos círculos de senhoras castrenses, participando dos lanches semanais e das excursões anuais à praia de Bombinhas, em grupos cujo concurso de quem preparava os quitutes mais apreciados sempre acabava meio empatado. Todas foram e são excelentes chefs de cozinhas familiares.
A atividade pública que lhe dava mais excitação de alma era tomar parte na construção de estruturas políticas de viés socialista, sendo uma fundadora do diretório local do Partido dos Trabalhadores. Participou de muitas manifestações, passeatas, protestos, campanhas eleitorais, em Castro e além. Sofreu ataques e incompreensões, mas não arredou pé. Pegava o microfone e discursava em defesa dos princípios em que acreditava.
Foi apoiadora constante e preferencial de todas as manifestações culturais em Castro. Exposições, concertos, palestras, lançamentos de livros: música clássica ou Chico Buarque; arte tradicional ou popular; desenho infantil ou Bienal, moda e performances – para tudo isso era o público e a audiência educados nos códigos das linguagens artísticas a apreciar. Atuou sem interrupção no apoio às atividades do Museu do Tropeiro, tendo sido presidente de sua Associação de Amigos por diversas vezes.
Jurava que jamais encostaria o dedo no teclado de um computador. Dizia que seria a última pessoa no planeta nessa condição e que ainda a entrevistariam por isso. Mas não resistiu, acabou por aderir às redes sociais e ao celular, interagindo com seus amigos de todas as faixas etárias. Só um eletrodoméstico não a conquistou – a batedeira – para ela só o bolo batido à mão é que ficava bom.
Esta foi a Araci, neste tempo e lugar. Multitarefas, multifalas, pluriamorosa, amiga e construtora de encontros, dialógica e ordenadora do caos no quintal bem cuidado de seu coração.
Aproprio-me de alguns versos do Nicanor Parra, para resumi-la:
“Campesina, gaivota de água doce,
Todos os adjetivos se fazem poucos,
Todos os substantivos se fazem poucos
Para nomear-te.
Tudo fazes às mil maravilhas
Sem o menor esforço,
Como quem bebe uma taça de vinho.
Teu coração se abre quando quer
Tua vontade se fecha quando quer
E tua alma navega quando quer águas acima.”
Araci, hoje lançaremos tuas cinzas águas abaixo,
Porque a tua alma já sobre nós adeja, e protege, e resplende”.
Araci nasceu em Curiúva (PR) e faleceu em Castro (PR), aos 78 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pelos filhos de Araci, Fabiane Pianowski e Ronie Cardoso Filho. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira e Vera Dias, editado por Ronie Cardoso Filho, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 3 de julho de 2023.