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Arnaldo Leite do Nascimento

1946 - 2020

Por alguns anos, o dia mais feliz era quando voltava pra Pernambuco, reencontrar esposa e filhos.

O suor da camisa no canteiro de obras marcou a trajetória de Arnaldo por muitos e árduos anos. Fez do trabalho na construção civil o sustento dos cinco filhos – Rosângela, Rosemary, Rosilene, Reginaldo e Ricardo. A escolha veio logo aos 19 anos, quando já havia encontrado Maria José e com ela tido a primogênita.

Contrariando o desejo dos pais, o jovem casal decidiu arriscar-se na selva de pedra paulistana para tentar uma nova vida. Com a carteira de habilitação em mãos, obtida também graças aos estudos no ensino fundamental que fez ainda adolescente, na fazenda, Arnaldo logo conseguiu emprego como motorista de caminhão de uma construtora. Tempos depois, passou a ser operador de retroescavadeira, gastando os dias a abrir espaços que dariam lugar a novos arranha-céus na metrópole. Com a prole toda nascida, Arnaldo e Maria José resolveram voltar para a terra natal, em Pernambuco. Era hora de aconchegar o coração entre os seus.

“Meu pai era um homem batalhador. Ficou desempregado por pouco tempo e, quando isso aconteceu, vendia picolé na praia e tomava sol o dia todo para trazer o dinheirinho para casa”, relembra Ricardo. O sol não tinha sido um grande dificuldade para Arnaldo, que, desde a infância, trabalhava cuidando de gado em fazenda e tocando carro de boi.

A necessidade financeira falou alto anos mais tarde e lá se foi Arnaldo de novo buscar seu ganha-pão em São Paulo, dedicando-se a assentar tijolo sobre tijolo até em obras do metrô da capital. A família, desta vez, permaneceu em Recife, para onde Arnaldo fazia de ônibus o vaivém uma vez por ano durante as férias. Teve uma experiência única de avião, mas sua escolha mesmo era pela viagem de ônibus. “Passávamos muito tempo longe do meu pai, mas ele nunca deixou de mandar o dinheiro para a família”, Ricardo enfatiza com emoção. Queria sempre ajudar os filhos, mais ainda quando ficou viúvo e estava longe de casa. “Não quero filho aperreado, vou aí lhe ajudar”, dizia Arnaldo. A fala continua na lembrança de Ricardo, que também não esquece a imagem doída das inúmeras despedidas que faziam na rodoviária, a cada ano, quando o ônibus ia se afastando e o pai ficava olhando na janelinha até quando a vista alcançasse. E a saudade já começava a bater outra vez.

De jeito alegre e brincalhão, Arnaldo tinha boa autoestima e gostava dos almoços e encontros em família, talvez para compensar o isolamento da rotina cotidiana nos alojamentos das obras ao longo de tantos anos. Com o apoio dos filhos, ele até encontrou uma nova companheira após a perda de Maria José, mas o destino o obrigou a enfrentar a viuvez novamente.

Torcedor do Palmeiras, apreciava assistir a um jogo de futebol no campo, aonde às vezes ia acompanhado dos filhos e do irmão Reginaldo, a quem era bastante apegado. A aposentadoria, finalmente, o levou em definitivo para Recife. Ali descansou e aproveitou os sete netos e a filharada em volta.

Arnaldo nasceu em Pedra (PE) e faleceu em Recife (PE), aos 74 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo filho de Arnaldo, Ricardo Leite do Nascimento. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Fabiana Colturato Aidar, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 17 de setembro de 2021.