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Arnóbio Leite Fontes

1947 - 2020

Nunca arredou pé de onde morava, mas viajou pelo mundo através dos livros e documentários que assistia.

Casou-se aos 36 anos com Maria Ângela e com ela construiu um longo e amoroso relacionamento por trinta e sete anos de casados. Foi um esposo dedicado e presente, chamava sua esposa carinhosamente de "Beinha" e ela, retribuindo o carinho, o chamava de "Beinho", toda manhosa. Dessa união nasceram dois filhos: Alide, a quem ele chamava de "Flor" e Arnóbio Henrique, que recebeu o apelido de "Gato". Bianca foi sua única neta e, como muitos vovôs carinhosos que existem nesse generoso mundo, adotou como neta a menina Laís.

Laís morava com seus pais na casa da frente, e vivia na casa do "vovô Arnóbio". Moravam em um condomínio, por isso a facilidade de ir e vir para a casa do vovô que ela também o adotou com tanto carinho. Seus pais, quando notavam sua ausência, já procuravam por Laís na casa do vovô postiço. "Ah, com certeza ela só poderia estar lá!"

Quando nasceu a neta, filha de Henrique, era só alegria. O vovô rolava no chão com Bianca e Laís, pareciam todos crianças. Nos finais de semana, seu maior prazer era ir para a casa de campo todos os finais de semana, onde reunia a família todinha. Dispensou até o jardineiro para ele mesmo cuidar do jardim. Por vezes, durante a semana, quando não chovia, lá ia painho dar água para suas plantas, disso ele não se esquecia nunca.

Como Laís era maiorzinha, ele a convidava para ajudar a molhar as plantas e depois lavar o carro, outra tarefa que ele amava fazer. Com a Bianca dedicava-se a brincar no chão e, mais tarde, subir e descer escadas. Fazia esse exercício por dez vezes seguidas com frequência, subia e descia a mesma escada, tudo porque a netinha gargalhava com essa brincadeira.

Amava sua família, o trabalho, os filhos. O fato de ser um homem de poucas palavras, não o impedia de ser um avô babão e divertido. “Ele só era chato quando começava o jornal” , conta sua neta Laís. Na hora do jornal, ninguém podia fazer um comentário sequer; era silêncio total.

Sr. Arnóbio gostava mesmo era de conhecer o mundo através dos documentários; não gostava de viajar, a menos que fosse para a casa de campo. Era contador de profissão e um grande historiador de coração, amava viajar assistindo filmes e documentários pela TV. Conhecia muito sobre História do Brasil e do mundo, sem nunca ter tirado os pés do seu país. Era tanta sabedoria que exibia autoridade quando falava. Ele era um homem de rotinas, metódico, almoçava exatamente ao meio dia e jantava às 18 horas. O cochilo após o almoço, "ah! esse também era sagrado..." conta sua filha Alide.

Alide relembra ainda que poucas vezes seu pai viajou. Algumas viagens eles fizeram quando os filhos ainda eram crianças, viagens bem curtinhas mesmo. Viajar para ele, era sair da rotina, e isso era desafiador; sair do seu ritual diário, de sua zona de conforto, do seu ambiente, seu lar. Por isso talvez tenha adquirido o hábito de experimentar aventuras através dos programas e documentários.

Uma história engraçada que contava para os filhos era de quando ele ainda era jovem, ajudando seu pai na roça na lavoura de feijão. Depois de um dia longo de "muita lida", suado e muito cansado, se jogou em cima das vagens de feijão, que estavam acomodadas no depósito. Um montanha de feijões, todos fresquinhos, ele rolava por sobre eles e se deliciava. Seu pai viu aquilo e ficou muito, muito bravo, por sorte ficou só na bronca. Ele contava essa história, várias vezes e ria muito disso.

Tinha muitas lembranças de sua avó Ana Rosa, uma senhora muito brava que lutou como pôde para que Arnóbio fosse em frente, vencesse e se tornasse um homem que pudesse orgulhar-se de si mesmo. Como os pais moravam em um sítio, a avó o levou para morar com ela na cidade, para ter acesso aos estudos. Muitas histórias dele envolvem a avó e o pai dele.

Ele tinha muito carinho por seus primos, uma vez que moraram juntos em Recife por algum tempo. Quando crianças, seus primos colocaram um apelido nele de "cuscuz de milho branco", por ser muito branquinho e ter os olhos bem verdes.

Apesar de gostar de estar junto aos primos e tios, sua alegria mesmo era estar com a esposa e filhos. Os quatro brincavam de jogar canastra à noite. Ensinou os filhos a jogar e fazia desses encontros momentos lúdicos para compartilhar histórias e risadas, com muita troca e cumplicidade.

"Só Deus sabe o quanto eu queria mais, muito, muito mais painho... O tempo de convívio foi tão bem vivido e ao mesmo tempo tão pouco. Seguirei seus passos e seus ensinamentos, para que um dia eu possa encontrá-lo, no outro lado do caminho, porque o céu é de verdade", agradece e se emociona sua filha Alide.

Arnóbio nasceu em Santana do Ipanema (AL) e faleceu em Recife (PE), aos 73 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Arnóbio, Alide. Este tributo foi apurado por Lucas Cardoso, editado por Sonia Ferreira, revisado por Neuclenia Ferreira e moderado por Rayane Urani em 24 de setembro de 2021.