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Aroldo Giongo

1949 - 2020

Quem via seu semblante sempre sereno, não podia imaginar o êxtase durante os jogos do Grêmio, seu time do coração.

Aroldo sempre foi um homem meticuloso. Talvez por isso as recordações da vida cotidiana permeiem carinhosamente a memória de seus familiares. Tornou-se recorrente, por exemplo, lembrar do cuidado que ele mantinha com sua aparência, trajando sempre suas melhores roupas em qualquer ocasião; ou ainda imaginá-lo sentado na poltrona da sala enquanto lia o jornal, como ele fazia diariamente.

Com Vanda, o grande amor de sua vida, construiu uma bonita família. Durante os quarenta e um anos em que permaneceram juntos, o casal tornou-se exemplo para todos com quem tiveram o privilégio de conviver. Nunca se desentendiam; pelo contrário, estavam sempre grudados. Aroldo tratava a esposa como uma rainha. Ela, por sua vez, dedicava-se por inteiro ao marido. Em todos os momentos livres iam sozinhos à praia, para usufruírem da companhia um do outro.

Do amor entre o casal, vieram três filhos: Alessandro, Eduardo e Luciana, por quem Aroldo estava a postos em quaisquer circunstâncias, para quaisquer coisas. Por ser um pai excepcional, não era de se admirar o quanto se tornaria um avô maravilhoso — seu grande sonho. Logo, a notícia da chegada de seu primeiro neto, Rafael, foi celebrada aos prantos, tamanha a emoção.

A felicidade de ser avô tornou-se completa com a vinda de Mariana. Com os netos, Aroldo voltava a ser criança: jogavam bola, colocava-os em suas bicicletas, para desbravarem juntos o entorno do bairro, deixava que Mariana penteasse os seus cabelos e fazia uma verdadeira festa quando os netos dormiam em sua casa. O seu maior desejo era acompanhar de perto crescimento dos pequenos.

Excelente cozinheiro, fazia questão de preparar carne recheada e galeto assado na praia, que sempre satisfazia o paladar de seus queridos. No Natal, época do ano em que toda a família se reunia para confraternizações e trocas de presentes, ficava responsável por rechear a ave da ceia, cujo sabor era inigualável. As suas habilidades não se limitavam apenas ao preparo de deliciosas iguarias: apreciador de bons vinhos, entendia sobre a composição e a origem das safras, sendo, por vezes, um dos “sommeliers” da família.

Planejava reunir todos os seus familiares para juntos irem para mais uma viagem a Roma.

Engenheiro mecânico aposentado, trabalhou por longos anos como servidor público do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem do Rio Grande do Sul, onde sempre foi muito bem-quisto. Por lá, fez inúmeras amizades, que se perpetuaram por toda a vida, fazendo com que formasse uma confraria, juntamente com outros ex-colegas de trabalho, que se reunia todos os meses para jantares.

Católico, dedicava-se com afinco à vida espiritual, participando assiduamente das missas e dos eventos da paróquia que frequentava. Dizia sempre que ofensas não devem ser revidadas, mas compreendidas. Logo, nas mais diversas situações mantinha-se sempre calmo, em paz.

Dotado de valores e princípios admiráveis, era conhecido pela honestidade e pela generosidade ao próximo. "Na época da graduação, meu sogro me auxiliou diversas vezes para que o sonho de me tornar enfermeira fosse realizado, enfatizando que eu sempre teria o seu apoio para os estudos. Em todos esses anos que faço parte da família, sempre me senti como uma filha. Eu o amava muito e tenho certeza de que era um sentimento recíproco para ele", relata a nora, Janaína.

Quem via a serenidade estampada cotidianamente no rosto de Aroldo, não podia imaginar sua euforia quando o assunto era futebol! Torcedor e Sócio do Grêmio, não perdia um jogo sequer, nem deixava de assistir aos lances das partidas — além de acompanhar os comentários de todos os confrontos na rádio. A paixão avassaladora pelo Tricolor Gaúcho contagiava toda a família.

É Janaína quem conta: "Diariamente, durante o almoço, tínhamos debates intermináveis sobre os jogadores e seus desempenhos individuais. Quando os filhos discordavam de alguma opinião sobre o Tricolor, ele tinha discussões acaloradas sobre o Grêmio. Nas discussões, eu sempre apoiava meu sogro para irritar propositalmente os guris. Depois disso, Aroldo e eu nos juntávamos para rir de toda aquela situação".

Durante a sua internação, fez questão de contar a todos os funcionários do hospital que tinha dois netinhos e nem por um segundo esquecia-se da família. Janaína recorda: "Antes de ser intubado, pediu para nos dizerem o quanto ele nos amava. Apesar de sua partida tão repentina ter causado um vazio e uma saudade imensurável a todos nós, ficou a convicção de que, para alguém tão bondoso quanto ele, o Céu tornou-se sua grande recompensa. Com toda a certeza, Aroldo foi uma das melhores pessoas que já conheci"!

Os detalhes que ao longo da vida fizeram de Aroldo uma pessoa ímpar transformaram-se em um legado gigantesco, formado por doces lembranças, ensinamentos valorosos, risadas, aromas e sabores. Em cada momento do dia há um pouco dele com os seus amados. Como os netos mesmo dizem, o avô se tornou uma estrela. Estrelas são eternas.

Aroldo nasceu em Porto Alegre (RS) e faleceu em Porto Alegre (RS), aos 71 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela nora de Aroldo, Janaína Flôr. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Andressa Vieira, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 28 de abril de 2022.