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Avelino Nascimento Vieira

1928 - 2021

Vestia orgulhosamente sua indumentária gaúcha para honrar as festas tradicionais do seu amado Rio Grande do Sul.

Seu Avelino passou a primeira infância em São Miguel das Missões. Dividia suas estadias entre as cidades de Cacequi e Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Esse tempo não foi nada fácil. Precocemente, aprendeu muito sobre a lida no campo, criou-se em meio ao gado e aos cavalos, fato que motivou a paixão pelas tradições gaúchas ao longo de toda sua vida.

Já adulto, enamorou-se por Diva Brasil Vieira. Em um primeiro momento, houve resistência por parte do pai da moça, pois contaram a ele que o jovem era casado com uma castelhana. Segundo o próprio Avelino confidenciou aos filhos, foi tudo uma invenção de seu pai que queria que ele se casasse com a filha de um fazendeiro, amigo dele.

O amor foi mais forte! Avelino e Diva se casaram e viveram juntos por cinquenta e oito anos, até o falecimento dela. A esposa era muito cuidadosa com ele: preparava seu café da manhã, cuidava para que ele não comesse muito e o chamava carinhosamente de "Negro". Após sua partida, Seu Avelino sentiu muito a falta dela. Tiveram dois filhos: Jairo e Joel. Completam a família, as noras, Luzia e Leodi; as netas, Larissa, Louise, Barbara e Adriana; e os bisnetos, Raul e Dante.

Apaixonado pelas tradições gaúchas, foi o sócio-fundador do Centro de Tradições Gaúchas (CTG) Brazão, localizado em Canoas. Todo ano, no aniversário da instituição, faz-se um mocotó – ensopado de bucho bovino. A tradição vem de uma história: Dona Diva tinha preparado o mesmo prato para servir na reunião entre amigos, que culminou com a fundação da entidade. Seu Avelino sempre se dedicou ao extremo pelo CTG. Certa vez, colocaram fogo na instituição e ele, que naquela época era o patrão do local – similar a função de diretor – juntou a sociedade para construir e reerguer o galpão. Tinha muito orgulho desse feito. No ano de 2008, em seu último mandato como patrão da entidade, conseguiu salvá-la da falência. Sentia-se realizado ao ver os filhos tocando músicas tradicionalistas e por todas as netas terem dançado em Invernadas, grupos de dança que se apresentam em rodeios artísticos.

Seu Avelino também era o primeiro a estar nos parques na Semana Farroupilha. Nunca perdeu um ano sequer. Ia até em cadeira de rodas: trajado com sua pilcha – vestimenta típica de gaúcho – com uma lança na mão para fazer a ronda da Chama Crioula. Como bom gaúcho, também não dispensava seu chimarrão, nem os doces tradicionais como o sagu com creme – doce feito com bolinhas de fécula de mandioca cozidas –, e ambrósia, doce feito à base de ovos batidos e cozidos em leite.

Dedicado a tudo que fazia, ao longo da vida trabalhou em diversas empresas na área de mecânica e manutenção. Entretanto, sua especialidade mesmo era contar histórias que viveu enquanto era colaborador da Varig. "Naquela época, meu avô viajava todo o Brasil fazendo a manutenção dos aviões. Certa vez, ele teve uma discussão com um engenheiro alemão chamado Guetz. Segundo ele dizia, os alemães eram muito cabeça dura e esse em particular não escutava as dicas dele. Viviam em pé de guerra. E ele narrava a cena da briga e sempre imitava dizendo: "Não é a Bomba Injetorrrraa", frisando bem a palavra injetora com sotaque alemão. Nessa hora, Seu Avelino se levantava, gritava igual ao alemão e respondia uma famosa frase: "Tu não é meu pai, nem meu patrão!". Escutamos essa história um milhão de vezes", recorda Larissa.

Muito ativo, estava sempre se ocupando com alguma atividade. Depois de sua aposentadoria, arrumava qualquer eletrodoméstico, como máquinas de lavar roupas, secadoras, lava-louças. Sua diversão era construir e reformar as casas da família. Sozinho, construiu um quiosque na praia, e já estava com 88 anos.

Nas horas livres, era ávido por brincar de "Escova", jogo de baralho onde se juntam as cartas da mesa até somar um valor igual a quinze. "No jogo, o sete de ouros é o 'sete belo'; e se ele não pegasse essa carta, ficava louco", lembra a neta Larissa. Todas as vezes que ia à praia, sempre procurava alguém disposto a jogar com ele. Mesmo depois do Acidente Vascular Cerebral (AVC), a família fez um suporte para que ele conseguisse jogar as cartas com uma mão. A paixão por "Escova" era tamanha, que em um Natal a família o presenteou com uma taça que ostentava a inscrição "Rei da Escova". Orgulhoso, ele mostrava o troféu para todo mundo.

Em sua cerimônia de despedida, a família decidiu que não teria um velório, mas sim, um cortejo que foi acompanhado pelos amigos e sócios do CTG. "A pilcha (roupa tipicamente gaúcha) foi doada ao CTG porque achamos que seria interessante que continuasse dançando por aí", conta a neta Larissa.

Larissa dedica ao avô a canção "Peão Farrapo", da autora Cássia Abreu:

"Ali vem um desses tauras que no calor das refregas
Forjou-se sobre o cavalo, teve a pampa por escola
A lança espada pistola e o tino para guiá-lo
Não sendo dono da terra, peleara como se fosse
O senhor das sesmarias, esquartejando horizontes
Redesenhou mil confrontes nas épocas mais bravias
E vai essa rude estampa, mescla de raiva e carinho
Bravura abrindo caminho que a liberdade é um chamado
Num ajuste fratricida de contas que nem são suas
Verdades galopam nuas, no pago sendo espoliado
Vai ser o diacho lá diante talvez a morte levante
No flanco de um descampado com sorte sobra-lhe a vida
E as cicatrizes sortidas de um direito conquistado
E do desenho cruento que resta ao tempo e ao vento
Lições pra se repensar quem sabe o futuro entenda
Que se resolvem contendas noutras formas de pelear
Quem sabe o futuro entenda que se resolvem contendas
Noutras formas de pelear
Que a liberdade é um chamado."

Avelino nasceu em São Miguel das Missões (RS) e faleceu em Canoas (RS), aos 92 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela neta de Avelino, Larissa Santanna Vieira. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Maya M. Lopes e Ana Macarini, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Rayane Urani em 24 de setembro de 2021.